Um excelente texto do professor Luiz
Tonchis para nos ajudar na compreensão da dimensão da cidadania, da política e da influência da imprensa sobre nós mesmos.
Por Luiz Claudio Tonchis*
"O homem é a medida de todas as coisas, das
coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."
Esta frase do filósofo Heráclito (sécs. VI-V a.C.) é fundamentada na hipótese
do incessante fluir da realidade, que implica em que a compreensão pode ser
alterada de acordo com as circunstâncias mutáveis da percepção humana. Além
disso, o homem pode criar e recriar os valores e o significado da realidade,
criando a sua própria “verdade”.
Com base nessa afirmação de Heráclito, podemos
repensar a concepção de “verdade” na atual conjuntura política do Brasil.
Refiro-me à tendência no cenário político atual de posições diferentes e até
mesmo divergentes que, de certa forma, ameaçam a nossa democracia e, em sentido
mais amplo, a nossa identidade política.
O que determina o conjunto de ideias, princípios e
valores que refletem uma determinada visão de mundo, orientando uma forma de
ação, sobretudo uma posição política, está relacionado à historicidade
existencial do sujeito: a família, os amigos, a condição econômica, as
influências externas, a religião, a formação acadêmica, enfim, todo o contexto
social no qual a pessoa vive. No entanto, a principal influência sobre o
pensamento político está relacionada à ideologia da classe dominante, já
anunciada por Marx e Engels no século XIX. São as influências do poder
econômico, isto é, de como as pessoas são levadas a pensar e agir de acordo com
os interesses da classe dominante. O principal veiculador desse tipo de
pensamento é a mídia.
Nesse sentido, a ideologia é assim uma
subestrutura, uma forma de pensamento obscuro, que, por não revelar as causas
reais de certos valores, concepções e práticas sociais, que são materiais, ou
seja, econômicas, contribui para sua aceitação e reprodução, sua disseminação,
representando um “mundo invertido” e servindo aos interesses da classe
dominante, porém aparentando representar interesses da sociedade como um todo.
O termo “ideologia” é amplamente utilizado,
sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências
humanas e sociais em geral, significando um processo de racionalização – um
autêntico mecanismo de defesa – dos interesses de uma classe ou grupo
dominante. Tem por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a
sociedade, apresentando a “realidade” como algo homogêneo e a sociedade como
sendo indivisível, permitindo, com isso, evitar conflitos e exercer a
dominação.
Atualmente “esquerda” e “direita” se tornaram os
termos comumente usados para se referir às tendências dos principais expoentes
no cenário político nacional PT e PSDB e seus respectivos aliados. Além disso,
temos os movimentos que se dizem apartidários, como por exemplo, o movimento
“Brasil Livre”, “Vem pra Rua” e os “Revoltados Online”, principais responsáveis
pelos enormes ajuntamentos em manifestações contra o governo. Na verdade,
existem controvérsias quanto às reais intenções de tais “movimentos” - alguns
deles são acusados de receberem apoio e financiamento de grupos internacionais,
com interesses econômicos. Já outros aparentam ser legítimos, apresentando
pautas justas e coerentes.
“Direita” e “esquerda” vêm da Revolução Francesa, a
Direita (girondinos) e Esquerda (jacobinos), e durante o império de Napoleão
Bonaparte, nos anos finais do século XVIII. Os representantes dos nobres,
burgueses e elementos do clero ficavam à direita. Eram os que não queriam
grandes alterações na ordem social e política, a qual os beneficiava por meio
de um sistema de privilégios.
Mas este conceito sofreu várias mudanças nos
diferentes contextos políticos, com o tempo, em diferentes partes do mundo.
Hoje, há um consenso de que a esquerda inclui progressistas, social-liberais,
ambientalistas, socialdemocratas, socialistas, democrático-socialistas,
libertário-socialistas, secularistas, comunistas e anarquistas. Já a direita
inclui capitalistas, neoliberais, econômico-libertários, conservadores,
reacionários, neoconservadores, monarquistas, teocratas, nacionalistas,
fascistas e nazistas.
Alguns cientistas políticos têm sugerido que as
classificações de "esquerda" e "direita" perderam seu
significado no mundo contemporâneo. No entanto, ainda servem para designar
certas tendências, pensamentos e comportamentos sociais e políticos que
caracterizam uma forma especial de ser, de pensar e de agir, que destoa
completamente do pensamento comunista de Marx e do socialismo, na sua essência.
No cenário político brasileiro, aqueles que
simpatizam com o PT e com outros partidos com características progressistas, a
grosso modo, tendem a serem mais complacentes com as causas sociais, apoiam as
políticas públicas que beneficiam os menos favorecidos, defendem um Estado mais
forte, visando reduzir a perversa desigualdade social, são mais tolerantes com
as políticas públicas voltadas à proteção do indivíduo dentro da sociedade,
como por exemplo, fazer com seja respeitado o conceito de igualdade de gênero,
raça, opção sexual. Além disso, têm aversão aos regimes totalitários, como, por
exemplo, o Governo Militar - por isso se posicionam contra o impeachment (para
esses, significa golpe de Estado), principalmente por temerem a possibilidade
da volta de um governo com características neoliberais, que não priorize as
políticas públicas sociais. Criticam a posição da mídia, acusam-na de ser a
favor do golpe.
Já aqueles que são da oposição à presidente Dilma,
tendem a serem mais conservadores, criticam as políticas públicas adotadas aos
menos favorecidos, como por exemplo, a Bolsa Família, cotas para negros nas universidades
e programas de inclusão nas universidades (ProUni e Sisu). Geralmente, possuem
uma predisposição a uma reprodução de estereótipos de gênero, raça e etnia e
menosprezo pelas minorias, as populações historicamente discriminadas. O
conservadorismo por si, atua como um dos principais agentes para a manutenção
de crenças, valores, hábitos, comportamentos e atitudes sexistas, racistas e
etnocêntricas, promotores de sofrimento e de profundas desigualdades na
sociedade brasileira. Além disso, adotam e apoiam um modelo de governo
neoliberal, capitalista, ou seja, a absoluta liberdade do mercado e a não
intervenção estatal sobre a economia. Um bom exemplo foi a onda de privatização
de estatais no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Na realidade, o PT e PSDB e seus respectivos
aliados não são radicalmente opostos; eles têm muitos elementos comuns. Mas há
um elemento que os diferencia: o papel do Estado em relação às políticas
sociais e à Economia. Se no governo PSDB as políticas sociais são focalizadas e
há o discurso de uma parceria com a sociedade civil (ou seja, a isenção da
responsabilidade do Estado, uma “terceirização”) – portanto, com certa ausência
do Estado -, o governo do PT fica a meio caminho entre a focalização e a
universalização: o Estado assume a primazia na formação das políticas sociais.
No campo econômico, o governo do PSDB entende o Estado apenas como instrumento
regulador do mercado (na maioria das vezes, a regulamentação que só serviria
para fornecer as garantias exigidas pelo mercado) e, também, como fiador do
mercado. Já o governo PT, além desses elementos, encampa a concepção do Estado
como indutor, promotor do desenvolvimento.
Ser a favor do impeachment, como muitos imaginam,
não são necessariamente devido às pedaladas fiscais e às denúncias de
corrupção, embora suas influências sejam significativas, mas sim, é
consequência da manipulação pelos meios de comunicação, dominados por uma
escancarada ideologia vertical. Essa ideologia é a face simpática do
capitalismo que agrada até mesmo às suas vítimas.
A intenção do impeachment vem desde da época do
ex-presidente Lula e ganha força após a reeleição da presidente Dilma, quando o
candidato derrotado nas urnas (com um número expressivo de votos) passou a
pousar de bom moço e com o apoio da mídia, tentou emplacar como o herói
derrotado – o vitorioso moral.
Quanto à corrupção, deve ser combatida com mais
sensatez; não se combate a corrupção entregando o poder para outros que são
corruptos. O que está em jogo é um processo educativo de valores morais e
éticos para uma transformação social a médio ou longo prazo. No entanto, os
crimes de corrupção devem ser investigados, comprovados e punidos, “doa a quem
doer”.
Pois bem, a construção da identidade política não é
estática, está sempre em construção, quando está aberto o conhecimento,
manifestado em sua natureza sintética e casual, através do uso do processo
crítico e reflexivo sobre a interpretação das informações. É a fórmula para se
aproximar das “verdades”, visando a construção de uma identidade política mais
racional e coerente. Ser de “esquerda” ou de “direita”, ser a favor ou contra o
PT é a possibilidade de manifestação da liberdade pública e subjetiva que
conquistamos a duras penas. A democracia é essencialmente o regime político no
qual a soberania é exercida coletivamente pelo povo, pertence ao conjunto dos
cidadãos, que exercem o sufrágio universal. Essa identidade democrática jamais
poderá entrar em jogo, principalmente através dos interesses pessoais daqueles
que exercem algum tipo de poder.
Para Hannah Arendt (1906-1975), a dimensão da ação
plural política é indubitavelmente a que mais “humaniza” o ser. É uma ação que
promove a liberdade dos homens, enquanto inserida na pluralidade, tornando-os
aptos a revelarem, cada um, sua singularidade. Essa singularidade é a
identidade revelada pela historicidade existencial dos indivíduos nos
diferentes contextos da vida, inclusive pela ideologia perversa. No entanto,
essa pluralidade não deve ser a propulsora da violência em voga nas suas mais
diversas configurações, mas sim, o exercício mental constante para uma atitude
de aceitação das divergências de opiniões, atitudes ou posições até mesmo
divergentes, visando ao respeito mútuo.
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*Educador e Gestor Escolar, trabalha na Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo, é bacharel e licenciado em Filosofia, com
pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela UNIARARAS.
Atualmente é acadêmico em Pós-Graduação (MBA) pela Universidade Federal
Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas, contribuindo
com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e Filosofia.
http://jornalggn.com.br/blog/luiz-claudio-tonchis/a-construcao-da-consciencia-politica-e-a-midia-por-luiz-claudio-tonchis
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