Pedro
Serrano diz que ação da Polícia Federal para apurar supostas irregularidades na
Petrobras pode ser prejudicada se ficar comprovado que violou direitos
individuais previstos na Constituição
'Não se
cogita juridicamente de um impeachment da presidente Dilma', diz Pedro Serrano
São Paulo
– A operação Lava Jato corre o risco de acabar invalidada, se, posteriormente,
ficar caracterizado que as investigações foram sustentadas sobre violações de
direitos e abusos. A opinião é do jurista Pedro Serrano, professor de mestrado
e doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Para ele, não é só a Lava Jato que utiliza a banalização das prisões
cautelares e preventivas. “Quarenta por cento dos aprisionados hoje no Brasil
estão presos sem terem tido o direito de se defender.”
A
operação – que se tornou pública em março de 2014 – revelou suposto esquema de
corrupção envolvendo a Petrobras e empreiteiras.
Segundo
Serrano, a operação é positiva para o país, como consequência de uma política
do governo federal de criar um sistema impessoal de combate à corrupção,
estabelecida a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Mas às vezes um
ou outro dos agentes alçados a um papel de mídia acaba influenciado por isso,
acaba prejudicando a operação e ofendendo direitos das pessoas.”
Pedro
Serrano também refuta a tese de impeachment defendida pelo colega Ives Gandra
Martins há dez dias, ainda comentada em corredores do Congresso e em páginas de
jornal. “O professor Ives é um dos juristas que eu mais admiro no campo do
direito tributário brasileiro, mas tenho que divergir densamente do parecer
dele.”
Na
avaliação de Serrano, a “tese da culpa”, utilizada por Ives Gandra, faz parte
do “campo do Direito Civil para resolver questões de indenização”. Essa figura
jurídica, diz, não pode ser aplicada na área penal ou no campo do crime
político.
Pedro
Serrano falou à RBA por telefone.
Em que
medida a Operação Lava Jato pode ou não trazer benefício ao país, considerando
que parece haver uma investigação seletiva do caso?
Não tenho
uma visão essencialmente crítica à operação. Acho que ela é consequência de
toda uma política do governo federal, que vem desde o presidente Lula, de criar
um sistema impessoal de combate à corrupção. Você tem uma Polícia Federal, um
Ministério Público e um Judiciário independentes que funcionam como máquinas
impessoais de apuração de corrupção. A Lava Jato em si é muito positiva, faz
parte de uma política pública criada para isso. Mas ela corre risco, porque às
vezes um ou outro dos agentes alçados a um papel de mídia acaba influenciado
por isso, e acaba prejudicando a operação e ofendendo direitos das pessoas. Têm
ocorrido algumas inconstitucionalidades marcantes que me preocupam, como a
prisão preventiva abusiva. No país, não só na Lava Jato, você tem a banalização
das prisões cautelares e preventivas. Quarenta por cento dos aprisionados hoje
no Brasil estão presos sem terem tido o direito de se defender. É como disse o
ministro Marco Aurélio: estão prendendo primeiro para se investigar depois.
Isso é muito grave. O que me preocupa na ação de toda a máquina judiciária no
Brasil é a ofensa a certos direitos humanos fundamentais, como a presunção de
inocência, a regra de que o sujeito só deve ser preso depois de decisão
transitada em julgado.
A Lava
Jato não pode acabar como a Satiagraha, por exemplo, invalidada por problemas
de investigação?
Creio que
ela corre esse risco, sim, por causa desse tipo de abuso que tem sido cometido
e várias inconstitucionalidades e ilegalidades. Corre-se o risco de termos
provas e apurações anuladas. Ou uma coisa que é pior: a utilização da mídia
para coagir o Judiciário a esquecer os direitos fundamentais da Constituição.
Mas isso
já não está acontecendo?
Creio que
em certa medida. Mas ainda não está caracterizado isso. Ainda esta semana
(terça, 10) saiu decisão da turma do Supremo mantendo o Habeas Corpus do
(ex-diretor de Serviços da Petrobras) Renato Duque. Mas eu vejo esse perigo, de
no futuro haver dois caminhos ruins: ou ter a operação anulada, por conta das
ilegalidades que estão sendo praticadas, ou ter o Judiciário subjugado pela
mídia e passando por cima dos direitos fundamentais e direitos humanos da
Constituição, uma conduta até pior. É melhor anular a operação para defender
direitos fundamentais do que atos abusivos ilegais serem tidos como lícitos
para satisfazer a mídia. Não se deve nunca passar por cima dos direitos
fundamentais das pessoas.
Como o
senhor vê a tese de impeachment de Dilma Rousseff?
Não se
cogita de um impeachment da presidente Dilma, do ponto de vista constitucional.
Dilma mal iniciou o mandato dela, não há nenhum indício sequer da participação
ou do conhecimento dela da prática de qualquer ato de improbidade na Petrobras.
Não tem cabimento jurídico, ao meu ver, se cogitar de pedi-lo.
O
professor Ives Gandra é um dos juristas que eu mais admiro no campo do direito
tributário brasileiro, mas tenho que divergir densamente do parecer dele. Acho
que é um parecer que não tem a consistência habitual dos pontos de vistas
jurídicos do professor Ives.
Ele não
aponta fatos...
Ele
cogita o impedimento por culpas civis genéricas, como escolha de gestores. Por
exemplo, você escolhe um administrador de empresa estatal, se ele se corromper
você é culpado. Logo, pode ser impedido pelo Legislativo. Isso não tem sentido.
Como
diferenciar da tese do domínio do fato?
Seria a
culpa. Domínio do fato é um outro conceito, que não cabe cogitar aqui agora.
Mas (a tese da culpa) existe no campo do Direito Civil para resolver questões
de indenização. Esse tipo de culpa não pode implicar na aplicação de sanções
severas no campo penal ou no campo do crime político, como está sendo
estabelecido.
No crime
político tem de haver o dolo, ou no mínimo o que se chama de culpa comissiva,
se provar que a presidente sabia que estava se praticando ato de corrupção e
ela coonestou com isso não tomando medida nenhuma. Seria um crime, portanto, de
prevaricação. Nada disso está comprovado. Agora, querer usar da culpa civil
comum, trazer matérias e conceitos próprios do direito civil para o âmbito
penal, do qual o crime político se aproxima, vamos dizer assim, acho totalmente
contrário à Constituição. O julgamento do impeachment é político não porque ele
seja feito fora do direito, do processo legal, dos direitos fundamentais, mas
porque ele é feito pelo órgão político da estrutura do Estado, que é o
Legislativo.
A palavra
“político” não pode ser usada como excludente do jurídico, mas como um tipo de
julgamento que se dá dentro do Direito, submisso à Constituição, ao processo
legal, inclusive submisso às questões de culpabilidade impostas pela
Constituição. Ela é clara no artigo 85. “São crimes de responsabilidade os atos
do presidente”. Pode se aplicar o impedimento por “atos”, diz a Constituição. A
legislação que regula o impeachment em nenhum momento fala da modalidade
culposa. Então realmente não há a meu ver fundamento constitucional, legal ou
jurídico. Até porque seria algo estranho à estabilidade mínima que a democracia
tem que ter. Imagine quantos dirigentes de estatais o presidente nomeia. O que
ele pode fazer é adotar medidas de cautela, e isso foram adotadas. A Abin
(Agência Brasileira de Inteligência) provavelmente investigou todos os nomeados
antes e verificou se tinham uma prática anterior de corrupção. Creio que não. O
presidente não pode ser responsabilizado pelo que o seu nomeado fizer
posteriormente.
O curioso
é que o parecer de Ives Gandra foi pedido por José de Oliveira Costa, que é
advogado de Fernando Henrique Cardoso...
Não quero
e não vou afirmar que o professor Ives deu esse ponto de vista por conta de um
elemento ideológico, que teria influenciado sua conclusão jurídica. Ele não é
homem de fazer isso. Tenho uma divergência técnico-jurídica com ele. Acho que
ele se equivocou no plano técnico-jurídico. Para mim cometeu um equívoco grave
nesse plano. Não sou só eu quem acha isso. Uma boa parte da comunidade jurídica
tem se manifestado nesse sentido. A culpa civil comum não pode gerar
impedimento do presidente da República.
Para quem
lê as manchetes e comparações, como diferenciar o caso Collor da tentativa
contra Dilma?
A
Fernando Collor foram pagas despesas dele, que recebeu um carro, a Elba, a
reforma da Casa da Dinda, de esquema de corrupção, ou seja, foi beneficiário do
esquema de corrupção e isso foi demonstrado claramente. Ele obteve benefícios na
pessoa física de dinheiro produto de corrupção. Quanto a Dilma, não chega nem
perto disso, não se cogita. A investigação da PF demonstra que a presidente não
teve participação nenhuma nisso. São situações jurídicas absolutamente
diversas. Tinha indício sólido de que o presidente Collor sabia do esquema e,
mais do que isso, sustentava esse esquema porque dele recebia benefício.
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2015/02/para-jurista-operacao-lava-jato-2018corre-risco2019-de-ser-invalidada-4136.html
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