'Nossos adversários não podem dizer
qual é o seu projeto; porque é antinacional, contrário ao desenvolvimento: um
projeto que exclui milhões de pessoas'
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou na noite de 6 de fevereiro
da comemoração dos 35 anos do Partido dos Trabalhadores. Ao lado da presidenta
Dilma Rousseff, do convidado de honra da atividade, Pepe Mujica, de
parlamentares, lideranças e da militância, Lula falou da fundação do partido,
das transformações sociais ocorridas nos últimos 12 anos e de ações que o PT
ainda deve adotar. Leia o discurso - sem improvisos - feito no Minascentro, em
Belo Horizonte:
Abaixo, íntegra do discurso:
Abaixo, íntegra do discurso:
Companheiros
e companheiras,
No dia 10
de fevereiro de 1980, algumas centenas de brasileiros e de brasileiras
começaram a escrever uma das mais belas páginas da história política do nosso
País.
Naquele
dia, companheiros vindos de todas as regiões, trabalhadores da cidade e do
campo, intelectuais, estudantes, religiosos, militantes de esquerda, militantes
sociais, nos reunimos para debater e aprovar o Manifesto de Fundação do Partido
dos Trabalhadores.
Era um
tempo em que lutávamos por Democracia, enfrentando uma repressão que recaía de
forma especialmente dura sobre os trabalhadores e nossos aliados. Um tempo em
que estávamos conquistando, na prática e no aprendizado das lutas cotidianas, o
direito de livre organização sindical e política da classe trabalhadora.
Nesse
ambiente de lutas, com os pés firmes no chão e grandes sonhos na cabeça, nasceu
o PT.
Quero
recordar as primeiras palavras do nosso Manifesto de 1980:
“O
Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de
brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la.
A mais
importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que
a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou
não virá. (…)
As
grandes maiorias que constroem a riqueza da nação querem falar por si próprias.
Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e
políticos venha das elites dominantes. (…)
O PT
nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político
que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma
minoria de privilegiados.”
É
importante recordar essas palavras, 35 anos e muitas lutas depois, para fixar
duas características essenciais do nosso partido:
O
PT nasceu para mudar.
O
PT nasceu para ser diferente.
É
isso que explica a nossa trajetória desde a fundação, por um punhado de
idealistas comprometidos com as causas populares, até os dias de hoje, quando
estamos governando este País que se tornou uma das maiores democracias e uma
das maiores economias do mundo.
Quantos
partidos políticos chegaram aos 35 anos de existência com uma história de lutas
e conquistas tão rica como a do Partido dos Trabalhadores?
E
quantos partidos no Brasil, tendo conquistado o governo, conseguiram
transformar de maneira tão intensa a realidade social, econômica e política em
nosso País? Certamente, nenhum como o PT.
Podemos
falar com muito orgulho do nosso partido, porque fizemos e continuamos fazendo
História neste País.
Companheiros
e companheiras,
É
muito comum hoje em dia as pessoas falarem em “nova política”, como se
estivessem anunciando a invenção da roda.
Por
isso, quero lembrar outra passagem do nosso Manifesto de fundação:
“O
PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no
dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma
nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da
sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.”
Quem
foi capaz de construir um partido de baixo para cima, organizando núcleos nas
fábricas, nos bairros e nas escolas, sabe muito bem o que foi fazer uma nova
política nesse País.
Desde
a primeira prefeitura que elegemos, o PT introduziu uma nova forma de governar,
com a participação direta da população nas decisões.
O
PT criou o Orçamento Participativo e abriu novos caminhos para a Democracia,
por meio dos conselhos e das conferências para debater e efetivar políticas
públicas.
A
sociedade apropriou-se dessas práticas, aprendeu e cresceu com elas,
qualificando sua relação com o poder público em todos os níveis.
Nova
política foi combinar a atuação dos nossos deputados e vereadores com a
presença nas ruas, nas greves e nas lutas populares.
O
PT participou da organização de movimentos sociais autônomos, que dinamizaram a
Democracia e o processo político em nosso País.
Estivemos
na linha de frente do movimento pelas Diretas-Já e pela plena redemocratização
do País. Levamos à Assembleia Constituinte as propostas mais avançadas do campo
popular e democrático.
Elegemos
prefeitos em grandes cidades, elegemos governadores, aprendemos a construir
alianças, ampliando o diálogo com os diversos setores da sociedade.
Disputamos
três eleições presidenciais antes de alcançar a primeira vitória, acumulando
ensinamentos e ampliando nossa articulação social em cada processo eleitoral.
Foi
a prática coerente dessa nova política, nas instituições e nas ruas, que
consolidou o caminho para a vitória eleitoral de 2002, quando o País escolheu o
PT para liderar as mudanças.
Nova
política foi acabar com a fome neste País.
Foi
garantir uma renda básica, um patamar de dignidade e cidadania para cada
brasileiro, por meio do Bolsa Família e do Brasil Sem Miséria.
Estes
poucos, mas significativos, exemplos honram a memória daqueles que viram na
criação do PT a oportunidade histórica do povo brasileiro para tomar o destino
em suas mãos.
Companheiros
da qualidade de Sérgio Buarque de Holanda, Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa,
Lélia Abramo, Henfil, Helena Grecco, Luiz Gushiken, Marcelo Déda e tantos
outros que sonharam conosco desde o início da jornada.
O
PT é motivo de orgulho para cada militante, das primeiras e das novas gerações.
Cada
um de nós pode andar de cabeça erguida e afirmar: nós contribuímos para mudar
este País.
Participamos
diretamente da maior transformação política, social e econômica da história do
Brasil.
Caminhamos
junto com o povo brasileiro para uma nova era de desenvolvimento e inclusão
social.
A
história do PT é nosso maior patrimônio, e essa história ninguém pode nos
tirar.
Companheiros
e companheiras,
Há
pouco mais de 12 anos o PT começou a enfrentar seu maior desafio – que era
também seu destino de partido nascido para mudar.
Governar
o Brasil, com as complexidades de um país historicamente marcado pela
desigualdade, foi a missão que a sociedade nos confiou, em um voto carregado de
esperança.
A
direção a seguir estava apontada, mais uma vez, em nosso Manifesto fundador,
onde ele diz:
“O
PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política
democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico
quanto no plano social.”
Seguimos
essa orientação desde o primeiro dia de governo. Houve medidas duras, para
corrigir os muitos problemas que herdamos. Houve medidas amargas, quando foi
necessário para garantir os avanços. Foi preciso reavaliar expectativas para
lidar corretamente com a realidade do País e as responsabilidades de governo.
Mas
nunca deixou de haver diálogo democrático com todos os setores. Nunca um
governo se abriu tanto às propostas e reivindicações da sociedade.
E
nunca – jamais – traímos o compromisso com as camadas mais amplas da população,
as que sempre foram relegadas no curso da História.
Nesses
12 anos o povo brasileiro participou conosco do mais amplo processo de inclusão
social desse País, no mais duradouro período de crescimento econômico com
estabilidade.
Nós
temos de nos orgulhar de um governo que tirou 36 milhões de pessoas da extrema
pobreza, que criou mais de 21 milhões de empregos com carteira assinada, que conseguiu
incluir mais de 40 milhões na classe média.
Temos
de nos orgulhar de um governo em que o salário mínimo cresceu 74% em termos
reais, em que a renda das famílias mais pobres cresceu mais de 60%.
De
um governo que herdou um desemprego de 12,5% e reduziu esse índice a 4,8% em
2014, o menor desemprego de todos os tempos.
Temos
de nos orgulhar de um governo em que o país dobrou a produção agrícola,
garantiu comida farta na mesa do trabalhador e tornou-se um dos maiores
exportadores mundiais de alimentos.
Um
governo que abriu as portas da universidade para os filhos dos trabalhadores,
para os negros, para os que jamais tiveram essa oportunidade.
Esses
12 anos de grandes mudanças marcarão para sempre a história do Brasil.
Mas
não podemos nos acomodar. Temos de compreender que foram os primeiros passos de
uma jornada que vai nos levar muito longe; que é preciso avançar para
consolidar as conquistas.
Companheiros
e companheiras,
O
PT acaba de conquistar o quarto mandato consecutivo na Presidência da
República.
Foi
talvez a mais difícil campanha eleitoral que já enfrentamos. Certamente, a mais
suja; aquela em que nossos adversários utilizaram as piores armas para tentar
nos derrotar. Tentaram fraudar a vontade política da maioria, usando todos os
seus recursos de comunicação para manipular, distorcer, falsear e até inventar
episódios contra nosso partido, nosso governo e nossa candidata.
A
quarta derrota eleitoral consecutiva despertou os mais baixos instintos dos nossos
adversários.
Tiveram
a ousadia de pedir recontagem dos votos, como se o Brasil ainda fosse aquela
república das eleições a bico de pena.
Tentaram
impugnar a prestação de contas da campanha e barrar a diplomação da presidenta.
Tentaram
criar um ambiente de inconformismo com o resultado que se recusam a aceitar
democraticamente.
Vencemos;
o Brasil venceu mais uma vez, mas a luta não acabou.
Nossos
adversários não podem dizer qual é o seu projeto; porque é antinacional,
contrário ao desenvolvimento, é um projeto que exclui milhões de pessoas do
processo econômico e social.
Eles
só podem atacar o PT e o nosso governo com as armas da irracionalidade e do
ódio.
Não
têm, nunca tiveram, autoridade para falar em nome da ética, mas é nesse campo
que tentam desesperadamente nos atingir. Eles, que jamais investigaram a fundo
uma denúncia de corrupção. Eles, que varriam escândalos para debaixo do tapete.
Eles, que alienaram o patrimônio da Nação “no limite da irresponsabilidade”.
Foi
o governo do PT que acabou com a impunidade que eles cultivaram por tanto
tempo. Nenhum outro governo fez mais para combater a corrupção nesse País,
conforme a presidenta Dilma deixou claro na campanha eleitoral.
Mas
vejam o que está ocorrendo em torno da Petrobrás. Desde o início da campanha
eleitoral,nossos adversários manipulam uma investigação institucional, com o
objetivo de criminalizar o PT.
Esta
investigação, como todas as outras iniciadas em nosso governo, deve ser levada
até o fim, esclarecendo os fatos, apontando os responsáveis e levando seja quem
fora a julgamento. É isso que a sociedade espera e é isso que vem ocorrendo nos
governos do PT – ao contrário do que ocorria no tempo deles.
Mas
estamos assistindo a repetição de um filme com final conhecido. Pessoas são
acusadas, por meio da imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma
investigação à qual somente alguns têm acesso. Não há contraditório, não há
direito de defesa. E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça, o
pré-julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já foram escolhidos e
bastará apenas executar a sentença.
Nossos
adversários não se incomodam que essa campanha já tenha causado enormes
prejuízos à Petrobrás e ao País. O que eles querem é paralisar o governo e
desgastar o PT, a qualquer custo.
Mais
uma vez eles falharam na tentativa de voltar ao poder pelo voto. Ao que tudo
indica, não querem mais esperar outra derrota: partem claramente para a
desestabilização, investem na crise, apostam no caos. Na falta de votos, buscam
atalhos para o poder, manipulando a opinião pública e constrangendo as
instituições.
Eles
vão prestar contas à História sobre a maneira antidemocrática como vêm agindo.
Cabe
ao PT denunciar essas manobras com firmeza. Repelir a mentira, esclarecer a
sociedade, agir de acordo com a gravidade da situação.
A
verdade é que foi o governo deles que tentou destruir a Petrobrás. E foi o
nosso governo que a resgatou, retomou os investimentos que levaram à descoberta
do Pré-Sal e fizeram da Petrobrás a maior produtora mundial de petróleo entre
as empresas de capital aberto.
A
verdade – e isso está nos autos da investigação, mas não está nos jornais nem
na TV – é que havia corrupção nos contratos que a Petrobrás assinou com
empresas estrangeiras no tempo deles. E isso nunca foi investigado.
A
verdade é que, apesar de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o PT nesse
processo, nenhuma doação ilegal, nenhum desvio para o partido. Nada!
E
se algo de concreto vier a ser encontrado, se alguém tiver traído a nossa
confiança, que seja julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário
dos nossos adversários, não compactua com a impunidade.
Companheiros
e companheiras,
O
resultado eleitoral nos obriga também a uma reflexão sincera sobre as
dificuldades do PT para manter sua sintonia histórica com os anseios da
sociedade brasileira. Não é possível ignorar esse desgaste.
Não
e verdade que o PT tenha se transformado num partido pior do que os outros,
mais fisiológico ou mais sujeito aos desvios.
O
verdadeiro problema do PT é que ele se tornou um partido igual aos outros.
Deixou
de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes.
A
estrutura à disposição de um deputado é maior do que a de um diretório estadual
do partido.
A
estrutura dos cargos de governo, também.
Ao
longo do tempo, isso alterou a vida interna do partido. Há muito mais
preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em
vitalizar o partido.
As
direções, tanto as regionais quanto a nacional, ficaram prisioneiras dessa
lógica. Tornaram-se burocráticas, pouco representativas da nossa base social,
ou então apresentam uma representação meramente artificial de setores sociais.
Militantes
e dirigentes tornam-se profissionais da política e dos governos.
Falando
francamente: muitos de nós estão mais preocupados em manter – e se manter –
nessas estruturas de poder do que em fazer a militância partidária que estava
na origem do PT.
Essa
é a origem de vícios como a militância paga, a disputa por cargos em gabinetes,
o investimento de grandes recursos em campanhas eleitorais, enfim: vícios que
nós sempre criticamos na política tradicional.
É
nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham
diante da sociedade e perante a história do PT.
É
dessa forma que o exercício do poder, ao invés de fortalecer, acaba
fragilizando um partido.
Não
é fenômeno é inédito. Aconteceu historicamente com grandes partidos populares
ao redor do mundo. Mas penso que esse processo chegou ao limite no PT.
Não
podemos esquecer que o PT, como já disse, nasceu para ser diferente.
Resgatar
esse espírito é o nosso grande desafio nesse momento.
Não
se trata de propor, ingenuamente, a volta a um passado que não existe mais. O
País mudou nesses 35 anos. Mudou graças ao PT, não aos que nos criticam de
fora. Mudou porque cumprimos os objetivos que levaram à criação do partido.
Hoje
o País é outro, a realidade da classe trabalhadora é outra, a juventude é
outra, as reivindicações e interesses da população estão em um novo patamar,
assim como as demandas para a ampliação de direitos e da Democracia.
O PT
precisa responder a essa nova realidade. Articular as demandas dos milhões de
brasileiros que conquistaram emprego digno, que têm novas oportunidades, que
aprenderam a usar a renda e o crédito para realizar sonhos antigos – e que têm,
portanto, sonhos novos.
Precisa
ouvir e dialogar com toda uma geração de brasileiros que ainda era criança
quando o povo nos levou à Presidência da República. Uma geração que não conhece
a nossa história e não vai conhecê-la se não tivermos a inciativa de contar a
eles como era este País nos tempos da ditadura, como era este País no governo
neoliberal dos nossos adversários.
Precisamos
dialogar com as novas demandas democráticas, no plano dos direitos das pessoas,
demandas que acompanham a evolução da sociedade e que não eram tão claras há 35
anos.
É
necessário ter muita clareza das mudanças que ocorreram, para elaborar um novo
pacto político com a sociedade brasileira, um pacto que atenda às exigências de
hoje e que aponte para o futuro.
Não
há respostas fáceis para essa questão. Temos de buscá-las em nossas raízes,
porque se chegamos até aqui foi pelo que fizemos desde o começo da caminhada.
Não
há dirigente ou liderança individual capaz de apontar o caminho. Não em um
partido democrático de massas, como o PT sempre se propôs a ser.
O
PT não é o seu presidente, não é sua direção, não é tal ou qual liderança. O PT
são dois milhões de filiados, centenas de milhares de militantes. São os
setores da sociedade que se consideram representados pelo partido, participam
do debate político e têm sido decisivos nos embates eleitorais.
É
aí que vamos encontrar a energia renovadora, para recriar o sonho original do
PT.
Creio
que esse é o debate que devemos fazer agora, quando iniciamos o processo de
renovação da direção partidária.
Temos
a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir
nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos.
Isso
exige humildade e coragem de cada um. Humildade para reconhecer o que é preciso
mudar, e coragem para continuar mudando.
Temos
a história ao nosso lado e o futuro diante de nós. O PT precisa estar, mais uma
vez, à altura de suas origens, porta-voz da esperança, da democracia, da ética
e da igualdade.
Muito
obrigado.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Lula-Um-manifesto-para-a-repactuacao-do-PT-com-a-sociedade-/4/32835
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