Para Érika
Kokay, o legislativo deve ser o mais plural dos poderes e não ser guiado apenas
por uma concepção de mundo conservadora e preconceituosa.
Desafeto do governo Dilma, evangélico fundamentalista e porta-voz dos
interesses mais mesquinhos das grandes corporações, o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) assumiu a presidência da Câmara há apenas 15 dias e já mudou a cara
do parlamento brasileiro. “A nossa democracia está em risco e estamos
mergulhando, aqui nesta casa, em um período de muitas trevas”, afirma a
deputada Érika Kokay (PT-DF), reconhecida militante dos direitos humanos e das
minorias.
De acordo com ela, o país vive hoje uma crise flagrante da democracia
representativa, com um parlamento que não espelha a realidade social e se torna
mais cada vez mais refém de grupos específicos . “Temos poucas representações
de mulheres e trabalhadores, por exemplo. Com as eleições cada vez mais
deformadas pelo poder do dinheiro, o que mais cresce no Congresso é a Bancada
do BBB: bala, boi e bíblia”, analisa.
Para piorar o quadro, Kokay acrescenta que a gestão do presidente Eduardo
Cunha, erroneamente vinculada à sua concepção de mundo, tende a aprofundar o
problema, colocando conquistas importantes dos brasileiros sob o risco de
retrocesso. “Se o presidente da Casa passa a pautar os trabalhos a partir da
sua concepção de mundo, da sua concepção religiosa, ele comete um atentado
contra a pluralidade que deve ser a marca do poder legislativo”, denuncia.
De fato, na pauta da Câmara para o novo período, já abundam proposições de
cunho conservador e discriminatório, como os projetos de autoria do próprio
Cunha que institui o Dia do Orgulho Hétero e que criminaliza o preconceito
contra heterossexuais. “Esses projetos são um verdadeiro escárnio contra as
vítimas da homofobia, um atentado contra a população LGBT que já sofre um forte
processo de desumanização simbólica e literal”, contesta a deputada.
Também ganham força na Casa a tramitação propostas de outros companheiros
ideológicos dele, como a que cria o Estatuto da Família, um receituário
conservador que restringe o núcleo familiar à união de um homem e uma mulher e,
na prática, impede a adoção por casais homossexuais, e o Estatuto do Nascituro,
que endurece as já medievais leis anti-aborto brasileiras e institui a
“bolsa-estupro” para que as mulheres criem os filhos decorrentes desse tipo de
violência, ao invés de terem a opção legal de interromper a gestação.
Mesmo as bandeiras mais progressistas empunhadas pela sociedade brasileira,
como a da reforma política, ganham novos contornos na gestão do peemedebista,
que não esconde sua vocação para fazer oposição a quaisquer pautas mais
progressistas do governo ou da sociedade. Apesar da OAB, CNBB e mais 200
entidades terem encaminhado à Casa um projeto de Lei que proíbe o financiamento
privado de campanha por empresas, o que ele submeteu à tramitação é justamente
o que amplia e regulamenta o dispositivo.
“Cunha está se apropriando da bandeira da reforma política, necessária para o
povo brasileiro, para tirar dela qualquer caráter transformador. O que ele quer
é constitucionalizar o financiamento privado de campanha, justamente o que os
movimentos sociais e a sociedade civil organizada lutam para mudar. O que ele
quer é reforçar o poder econômico e excluir os setores que historicamente foram
marginalizados no nosso país”, avalia Kokay.
Nos trâmites internos da Casa, a mudança também já é evidente e preocupante.
Para adequar às suas concepções políticas e ideológicas a rotina do poder que
mais deveria ser plural, Cunha vem interferindo até mesmo em regras
tradicionais do parlamento, como a que designava a definição dos critérios para
eleição da bancada feminina às deputadas eleitas.
“Pela primeira vez, um presidente determinou o critério pelo qual se deve dar a
votação da coordenadora da bancada feminina. E determinou que seja através da
decisão dos blocos, o que favorece seu grupo e impede, por exemplo, que o maior
partido da casa, o PT, possa apresentar candidatura própria”, explica.
Conforme Kokay, não há ingerência da mesa diretora da Câmara em nenhuma bancada
partidária, à exceção da feminina. “As mulheres tinham que decidir seus
critérios com autonomia, como sempre o fizeram. Sem imposições do presidente,
que está destruindo instrumentos conquistados pela luta das mulheres nesta
Casa”, ressalta.
Até a TV Câmara, a emissora pública da casa até então comandada por
funcionários de carreira do parlamento, está sob a mira da concepção religiosa
do novo presidente. Segundo notícias veiculadas esta semana na imprensa, ele
pretende entregar sua gestão ao PRB e determinar que a direção do veículo seja
assumida por terceirizados, vinculados à Igreja Universal.
O sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF),
inclusive, já manifestou preocupação com a medida em nota oficial. E declarou
que entrará em contato com os demais membros da mesa diretora da Câmara para
cobrar a manutenção do veículo sob a direção dos servidores de carreira e a
permanência da isenção e pluralidade da linha editorial.
“Cunha representa um projeto de poder que desrespeita a laicidade do estado e a
pluralidade de vozes no parlamento. Ele vem dizendo que vai respeitar sempre a
maioria, mas um presidente da Câmara precisa respeitar também as minorias. Ou a
sociedade civil se mobiliza na perspectiva de que nós possamos fazer frente a
isso que está se desenhando neste poder legislativo, ou esta vai ser uma
legislatura que vai nos remeter a uma lógica medieval. Vai retirar uma série de
avanços da sociedade”, ressalta Érika Kokay.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Gestao-de-Eduardo-Cunha-ameaca-democracia-brasileira-/4/32873