Marcia Tiburi ao 247: “Estamos numa nova ditadura”
Artista
plástica, professora de filosofia e escritora, Marcia Tiburi faz uma
análise profunda e corajosa do golpe brasileiro em entrevista exclusiva ao 247;
ela afirma que "Temer é um invotável", e o define "entre o
abnóxio... ou seja, o insosso, o invotável e o horroroso" e também como
"mordomo de velório"; "Tudo o que aconteceu no Brasil, aliás,
tem a ver com enredo de filme de terror", diz ela; "Serra é um
vampiro assim como ele", continua; e "seu ministério foi catado na
máfia da política"; Marcia vaticina, no entanto, que apesar de já estarmos
numa "nova ditadura", "dias piores virão"; ela teme que
"um canalha como Eduardo Cunha vire presidente do Brasil numa eleição
indireta"
Por Alex
Solnik, do 247 -
Artista plástica, professora de filosofia e escritora, Marcia Tiburi graduou-se
em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em
Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; é mestre em
Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutora
em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999). Autora ou
co-autora de 22 livros, de filosofia e de ficção, dentre os quais As Mulheres e
a Filosofia, O Corpo Torturado, Filosofia Cinza - a melancolia e o corpo nas
dobras da escrita, Metamorfoses do Conceito, Trilogia Íntima, Magnólia, que foi
finalista do Prêmio Jabuti em 2006, A Mulher de Costas, Era meu esse rosto. Ela
também participou do programa Saia Justa, do canal GNT.
Nessa
entrevista exclusiva ao 247, em que faz uma análise profunda e corajosa do
golpe brasileiro, ela afirma que "Temer é um invotável", e o define
"entre o abnóxio... ou seja, o insosso, o invotável e o horroroso" e
também como "mordomo de velório". "Tudo o que aconteceu no
Brasil, aliás, tem a ver com enredo de filme de terror", diz ela.
"Serra é um vampiro assim como ele", continua. E "seu ministério
foi catado na máfia da política". Vaticina, no entanto, que apesar de já
estarmos numa "nova ditadura", "dias piores virão". Ela
teme que "um canalha como Eduardo Cunha vire presidente do Brasil numa
eleição indireta".
Confira a
entrevista:
Vai dar aula de que hoje?
Filosofia feminista. É um curso meio geral, de três dias... tem um pouco
do problema, tem os gregos, uma cronologia bem ainda europeia para que o
pessoal entenda qual é o nosso problema. E hoje é a aula de filosofia feminista
contemporânea. Vou apresentar filósofas do feminismo negro...Judith Butler...uma
boliviana que eu adoro, que é índia, Silvia Kucicanque...vou falar um pouco das
brasileiras...
Quem são as brasileiras?
Vou falar da Safiotti... e vou falar da Sueli Carneiro...e vou falar de
uma que eu adoro,.,. como é importante ter obra, porque essa autora tem uma
obra muito pequena, que é a Lélia Gonzales, que é uma feminista negra que
cunhou um termo Amefricanidade...
O que é isso?
Essa junção, chamemos assim da cultura, da herança africana na nossa
cultura e a herança ameríndia... ela juntou essas duas coisas... isso é bem
Brasil...no seu caso, você é um estrangeiro porque se naturalizou aqui... e
aprendeu a viver aqui...
Eu não sou estrangeiro... eu vivi sete anos na Ucrânia e estou há 60
anos no Brasil...
Você se sente bem brasileiro...tem essa questão... o Brasil é essa
cultura mix...das raças e das etnias... e tem uma língua que acoberta tudo
isso... você deixou a sua língua pra lá... e quantos deixaram! Eu me lembro do
meu avô que contava isso...como na época da ditadura Vargas meu avô era
proibido de falar italiano. Tinha a proibição de falar a língua também. Tinha a
proibição de ter uma outra cultura e a língua é a expressão da cultura. A
língua faz parte da cultura...
Vargas queimou livros. Primeira medida depois do Estado Novo foi queimar
toda a obra de Jorge Amado
Horrível isso...
... e de José Lins do Rego.
Ele era um fascistão... populista...
Dizem que ele fez coisas boas, deu a “carteira de trabalho”. Mas ele deu
a carteira de trabalho porque não deixou ninguém ser presidente. Fic0u quantos
anos no poder? De 1930 a 45!
Puxa, foi duro!
Os historiadores dizem que ele fez a Revolução de 30 e não o Golpe de
30...
O nome “revolução” é ótimo...
Ora, tiraram do palácio um presidente eleito em meio ao mandato...
Nós e os golpes... daria para escrever um livro sobre o Brasil e os
golpes...
De 100 anos pra cá foi um golpe atrás do outro, mas nenhum deles era
chamado “golpe” e sim “revolução”, “revolta” e outros nomes mais. Houve até
golpe contra quem queria dar um golpe na democracia...
(Risos)
Brasileiro, dizem, tem preguiça com matemática, mas acho que tem também
preguiça com história, porque não aprende com a história. A nossa história é
uma sucessão de golpes...
Você acha que é uma preguiça com a história?
Não sei se é preguiça ou falta de interesse, não sei qual é a palavra
exata. As pessoas também têm preguiça de pensar por si próprias e preferem que,
hoje, a Globo pense por elas. Se a Globo disser que isso que está acontecendo é
um golpe, então é um golpe; se não disser, então não é. E os golpes
acontecem assim, como se a democracia continuasse. E são todos confirmados pelo
Congresso. Como a gente está vendo hoje... bem, eu não sei se você acha que foi
um golpe...
(risos) Eu falei muito sobre isso. Epistemologicamente está correto,
juridicamente está correto e historicamente está correto. Se a gente tomar
essas medidas para compreender esse acontecimento... é um golpe! Hoje em dia eu
também fico pensando, Alex, se a gente perguntar “é impeachment ou é golpe”? se
adiantaria alguma coisa, porque, do meu ponto de vista, não sei se você vai
concordar, a gente está vivendo uma discursividade política toda de fachada. É
como se existisse um discurso cínico. Esse discurso não é de hoje. Não é
específico desse governo golpista. Ele tem mais tempo na nossa história e
talvez fosse possível até aprofundar numa análise genealógica da história dos
golpes no Brasil e pensar que no Brasil a maneira de fazer política é a maneira
do golpe. Constantemente se recoloca a questão democrática como se a democracia
fosse uma fachada para os golpes possíveis. Democracia de fachada então a gente
sempre soube, mas essa democracia de fachada só funciona porque existe uma
discursividade, uma fala, uma expressividade dos políticos, da própria
população, dos jornalistas... as pessoas enchem a boca pra falar “democracia”
como se... é uma dessas palavras mágicas, eu acho. Ética, democracia são duas
palavras hipercarregadas de um valor social e de um valor político, então as
pessoas pelo simples fato de pronunciarem essas palavras é como se elas
estivessem realizando a coisa. Mas a realização da coisa também é um
acobertamento daquilo que de fato se consegue ao pronunciar essa coisa, que é o
capital político. O político, se quiser crescer e aparecer tem que usar a
palavra “democracia”. Na sua expressão. E a palavra “ética” que aliás é uma
palavra que está fora da cena, a gente não anda falando de ética, mas com essa
palavra acontece a mesma coisa. Durante um tempo... agora, em específico, a palavra
ética está fora da cena, está acobertada... mas há três anos, dois anos se
falava muito sobre isso. Até mesmo nos jornais aparecia, os meios de
comunicação faziam essa palavra transitar. De repente, é curioso, essa palavra
desapareceu, E quando as palavras desaparecem, isso não é ingênuo, isso não é
gratuito, tem uma função. O aparecimento e o desaparecimento das palavras,
nesses jogos discursivos, tem uma função. Acobertamos a ética, porque a
ética ao mesmo tempo que é uma palavra carregada de valor implica um
questionamento. É uma palavra que é usada para defender e também usada para
acusar. Nesse momento evita-se o questionamento nessa linha para que o poder
consiga se calcificar, se galvanizar no processo... se colocar... sentar com
toda a força. Acho que tem isso entre nós acontecendo nesse momento. É um
golpe. Eu sempre fico pensando na palavra “golpe”... é uma palavra feia,
pesada, a pessoa quando pensa na palavra golpe em termos políticos não percebe,
talvez não se lembre dos usos da palavra golpe. Golpe do baú,... o golpe que é
a surra... você dá um golpe...golpear a pessoa... dar um soco... o golpe é um
ataque, é uma violência ou é uma enganação, quando você levou um golpe ou deu
um golpe, é um golpista. Golpista é muito sério!
Por que você acha que o Temer não se importa em ser chamado de golpista?
Michel Temer é um político a ser analisado na sua performance de... aqui
eu vou usar uma metáfora... na sua performance de mordomo de velório...como
dizia o ACM...
Mordomo de filme de terror....mas velório serve também...
Foi “mordomo de filme de terror”?
Sim.
Mordomo de filme de terror! Olha como é perfeito! Tudo o que aconteceu
no Brasil, aliás, tem a ver com enredo de filme de terror! No dia 12,
quinta-feira, o golpe e a evitação com o dia 13, que era uma sexta-feira, o dia
em que Temer então assumiria o governo na forma do golpe, que seria o golpe do
horror, do terror. Logo ele que tem essa fama dentre os políticos de ser o
mordomo do filme de terror. Temer é um invotável. A gente sabe que aqui em São
Paulo ele teve uma votação ridícula, pífia. Ridículo, aliás, é o nome do meio
do Temer. Eu estou escrevendo um livro, que vai sair no ano que vem que é sobre
relações entre estética e política. E esse livro tem como título “O ridículo
político”. Ele é inspirado em muitos dos momentos e nos eventos que estão se
dando no Brasil nos últimos tempos, inclusive esse evento do golpe. E esses
personagens, tipo Temer, representam muito bem isso que é o ridículo político.
É o que se chama vergonha alheia. E ao mesmo tempo eles evitam, um pouco, cair
nesse lugar vergonhoso da vergonha alheia, cair no ridículo, mas eles não
conseguem. Temer tenta se tornar simpático...ele tornou a sua mulher numa
prótese da sua performance política ruim...e agora tornou o filho pequeno, uma
criança pequena também numa prótese para amenizar, para tentar tornar simpático
o seu caráter insosso, o seu caráter pavoroso... ele é assim entre o
abnóxio...ou seja, o insosso, o invotável e o horroroso,.. Ele fica nesse
espectro. E ele aparece, então, como grande fantasma desse espectro, o espectro
entre o insosso e o pavoroso.
Ele foi buscar o filho na escola ontem e convocou a imprensa para
acompanhar...
Que escola, né, porque as escolas, afinal de contas estão em
férias...Nos perguntamos sobre isso: que encenação foi essa? Quando a mulher
dele é usada pela revista Veja como a bela recatada e do lar é de um ridículo
tal que não precisamos nem fazer a crítica, nós, os filósofos, os cientistas
políticos, os sociólogos, os jornalistas críticos e tal, nem precisamos nos
ocupar muito disso, embora tenhamos nos ocupado, porque as redes sociais,
a cultura popular deu conta de rechaçar esse tipo de formulação que não tem
mais nada a ver, não representa as mulheres da nossa época, por exemplo. Mas,
Temer, embora seja rico, colonialista, homem, branco, político e cheio do
poder... é um pobre coitado da política. E esse pobre coitado só poderia
alcançar o poder que alcançou dando um golpe! Ora, ele é invotável! Se eu fosse
tentar aprofundar uma análise do Brasil de hoje eu analisaria, além da máquina
misógina em torno dessa história toda eu analisaria a questão da inveja. A
questão da inveja que esses homens brancos, todos, tiveram em relação à votação
de Dilma. Porque o voto mexe com qualquer pessoa. Se você é muito votado...
Pega qualquer político, pega qualquer pessoa na nossa época. Se eu vendo muito
livros, se você tem muitos leitores dos seus artigos, se uma pessoa ganha muito
dinheiro, se a outra ganha muitos “likes” no facebook... nós vivemos na era do
capital, nós nos medimos numericamente pela audiência que a gente tem. Pela
nossa popularidade em termos numéricos. Então, imagina pros políticos! O nosso
narcisismo é medido nessas formas do capital. Seja o capital dinheiro, seja o
capital audiência, seja o capital popularidade, é a cultura do espetáculo isso
tudo! Imagina um político desses, feito de narcisismo, homem, branco, das
elites, poderoso, dono do poder, dono dos cargos, eles sempre foram donos dos
escravos, donos das mulheres, donos das crianças, donos das terras, donos das
indústrias, donos das avenidas, donos das paredes, donos das nuvens... imagina
esses caras ficando na posição secundária! Como subalternos. E eu digo assim:
eles, primeiro, morreram nas urnas duas vezes com Dilma, que ainda se
autodeclarou “presidenta” para ofender mais um pouquinho... morreram nas urnas
duas vezes e aí eu acho que eles morreram de inveja. Eu acho que essa é uma
questão pra gente pensar na política brasileira contemporânea. A inveja. A
inveja não como um afetozinho bobo, natural nas pessoas, estou pensando na
inveja como...
Na inveja do poder de uma mulher?
Isso. Como é que uma mulher pode ter poder? E pensar na inveja então,
como um lugar secundário. Porque o invejoso está sempre no lugar secundário. O
Lacan é que falava usando o Santo Agostinho. Isso já aparecia nas confissões
dele. Então, “estou vendo meu irmãozinho mamar lá na minha mãe”. Ele está na
posição essencial, fundamental, e eu sobrei. E os invejosos, todos, são aqueles
que sobraram. Não é a vez deles, não é o lugar deles. Eles invejam o lugar do
outro. O lugar no colo, um lugar na teta da mamãe. Aí, você imagina... talvez
isso seja um pouco complicado...a gente precisaria compreender também o que se
chama de corrupção... esse mamar nas tetas do estado...a partir do que disse
Santo Agostinho sobre a inveja. O que é a inveja? A inveja é a posição
avarenta. Ingrata. A posição não criativa, ou seja, do burro também... do
idiota...pode ser espertinho, mas é aquele que, no caso das tetas públicas usa
essas tetas só a seu favor. Ele pensa no estado como uma mãe com suas tetas.
“Eu vou sorver essas tetas... eu mereço e esse lugar é meu...” Porque ele não
consegue ver o estado como outra coisa, ele não consegue pensar que o estado
tem uma função social...que serve para garantir direitos... para sustentar uma
sociedade... para fazer essa sociedade crescer, evoluir...um estado que não
seja pensado como uma estrutura que permite a sustentação da sociedade esse
estado não serve para nada. Mas eu acho que tem isso, a gente deveria começar a
analisar isso. É o contrário de tudo que a gente vê no espírito da esquerda. O
espírito da esquerda também não se realiza da melhor forma, mas o espírito da
esquerda não é o espírito avarento e invejoso...é o espírito generoso... é o
espírito da generosidade... o espírito da troca, da entrega, da potência...é
criativo... é alegre...não é melancólico...
O guerrilheiro era descrito como terrorista...mas os guerrilheiros eram
professores, artistas, jornalistas, eram pessoas criativas...ninguém era
bandido... usavam armas, mas não eram bandidos. Tentaram rotular assim os
terroristas... como a Dilma... mas você não vê terror nessas pessoas...
É, você não vê terror nessas pessoas...
Você vê terror no Eduardo Cunha... esse é o terrorista!
Você vê o terror... acho que essa é a metáfora do governo Temer. Do
governo interino. Ele é a figura vampiresca. Terror também nesse sentido. E
terror no sentido das táticas políticas. Esse meter medo. Spinoza, no século 17
já falava disso. Quem quer dominar uma população e não tem como seduzi-la deve
justamente colocar medo nessa população, entristecer essa população. Antes,
Maquiavel já tinha falado na função do medo no governo. “Se você não pode ser
amado, você deve ser temido”. E acho que hoje, esse governo interino, esse
governo golpista ganha nesse lugar, enquanto põe medo na população, entristece
a população, produz toda uma estratégia, digamos, de impotência para a
população. Então, a gente deve achar, o cidadão comum deve achar que ele não
tem nada a fazer, aquele cidadão, claro, que se perguntar a ele o que está
acontecendo...a grande massa já foi levada pela televisão que é, a meu ver, o
meio de comunicação mais importante, ainda que existam jornais e mesmo blogs...
A televisão é o Big Brother mesmo...
É isso. Há uma produção, sem dúvida, de um tipo de informação que deve
servir como uma prótese para o conhecimento das pessoas. As pessoas ficam ali,
aceitando aquelas ideias, repetindo aquelas ideias, os clichês...
E não só nos noticiários, como também nas novelas...
A função é fazer não pensar. Esse é o projeto. O projeto é aniquilar o
pensamento em todas as suas formas e sobretudo o pensamento crítico, que é o
pensamento que sempre nasce depois de você começar a pensar. A gente começa a
pensar e em algum momento vai começar a desconstruir se a gente continuar
pensando. Mas, no nosso contexto tem um pensamento pronto, publicitário...um
pensamento que vai pela televisão... pela igreja... aliás, isso no Brasil é uma
coisa muito grave... o nexo publicitário entre as igrejas e televisão é
perigosíssimo...e para você que gosta de história, Alex, é interessante pensar
não só a história política, o fio político, a genealogia política do golpe, mas
também pensar a genealogia religiosa das igrejas...não podemos pensar que são
só os neo pentecostais que estão na cena da política brasileira... há toda uma
história com os jesuítas, o cristianismo... é muito pesado...
Mas com o Edyr Macedo chegou no auge... porque em termos de meter medo
nas pessoas não tem nada mais apavorante que ele.
Todos esses pastores neo pentecostais que estão na política... deveria
ser proibido isso. Deveria ser proibido qualquer pessoa de religião de se
candidatar.
Os programas religiosos na TV também não deveriam ser proibidos?
Proselitismo religioso num país laico? Ou então rasgamos de vez a
constituição...
Metaforicamente a constituição, aliás, já foi rasgada.
Aliás, o que menos se respeita no Brasil é a constituição. É um papel.
Se escreve por cima... se emenda...ela é cheia de emendas... a constituição
inglesa tem 200 anos e é sempre a mesma...
É a constituição rascunhada...
E ela legitima tudo... legitima a ditadura...ditadura tem que ter uma
constituição... teve em 37... teve em 64...
Diante do poder transformado em violência a constituição parece uma
delicadeza perto dessa brutalidade toda.
É mais uma palavra oca, como “democracia”... não é golpe porque está na
constituição...
As leis não têm mais função entre nós. A não ser quando elas servem à
violência e ao poder. Então nesse momento os donos do poder enchem a boca para
dizer esse tipo de coisa. Mas, para o povo, para a população, para o cidadão
realmente não está valendo. E aí tem tudo isso também. Quem está ao lado da
crítica disso nesse momento também está desprotegido pelas leis e pela
constituição, a gente está vendo no Brasil, de fato, eu acho que a gente pode
chamar de estado de exceção. As leis que entram em execução são leis abertas,
digamos assim, a lei está lá, a porta da lei, como no conto do Kafka, está lá,
ela está aberta pra todo mundo, mas a gente não pode entrar. E seremos ao mesmo
tempo acusados de estarmos já dentro dela. É o estado de exceção no sentido de
que não podemos nada, mas tudo nos é permitido.
E o que você achou do ministro da Justiça, que é outro... eu nunca vi um
Ministro da Justiça tão aterrorizante...o que você achou dele ir para a
televisão anunciar que nós temos terroristas?
Talvez tenha sido um tiro no pé. Eu fico pensando... esse governo
golpista me parece que é formado por um conjunto de... ele já é um governo
oportunista... o golpe é o golpe dos oportunistas... Temer, como vice, já era
um oportunista... esses ministros todos catados ali na máfia da política... e
entrando de maneira oportunista nesses lugares, sem conhecimento, sem lastro,
sem lastro teórico, sem lastro prático, e nesse caso, esses ministros todos,
bem como esse presidente interino e golpista, sempre é bom lembrar, esse
governo golpista, esse governo interino, esse governo provisório, colocado
nesse lugar tenta situar-se na cena pública através de lances, vamos chamar
assim, espetaculares e lances populistas. Então, esse foi um lance populista.
Uma tentativa de aparecer. E, ao aparecer, claro, uma tentativa de angariar
para si adeptos, audiência, fama, espaço, poder. Só que o tiro saiu pela
culatra. Milhares de pessoas cancelaram sua vinda ao Brasil. Cancelaram mesmo!
O Brasil entrou no mapa do terrorismo internacional.
E tem o seguinte: terrorista “sério” não prepara atentado uma semana antes
do evento!
É quase... a gente diria, se fosse uma pessoa qualquer, se não fosse
alguém empossado num cargo tão importante...a gente diria que é uma pessoa
ingênua...mas, como foi essa pessoa, a gente só pode dizer que foi um ato,
porque a gente tem que pensar no ato, quem é a pessoa nós não sabemos... mas o
ato foi de uma imbecilidade, de uma burrice, de uma inconsequência... foi a
tentativa de bancar o esperto e acabar virando o tonto! Mais um caso para a
gente elencar na cartografia do ridículo político! Mais um exemplo do ridículo
político. Porque a gente fica com vergonha alheia. Como essa pessoa tem
coragem... e como esse indivíduo não caiu também...como é que se mantém no seu
cargo?
Eu sugeriria que ele fosse exportado pelo menos durante a Olimpíada...
Esses cargos não valem mais nada, também, você entendeu? Cria
ministério, desfaz ministério, coloca um incompetente qualquer...não são
incompetentes comuns... são incompetentes muito incompetentes que têm causado
estranhamento na mídia internacional e aqui no Brasil nós nos sentimos
evidentemente acuados e ficamos perplexos porque não sabemos o que fazer com
isso. Acho, também, que isso é uma estratégia. Eu tenho pensado, também, na
hipótese de estarmos vivendo também uma...nova ditadura... Está em jogo para
nós a ignorância populista. Então, a burrice, a falta de noção, a falta de
compreensão, a falta de inteligência, a falta de pesquisa, a falta de
informação, a falta de compreensão desses indivíduos todos que estão na
política, que estão nesse momento nesse governo e já estavam, também, antes no
Legislativo... esse Congresso absurdo, tudo isso é usado de maneira
estratégica. Seja o ministro da Justiça, seja o presidente interino, seja o
deputado da igreja neo pentecostal, todos eles se fazem de tontos para esconder
o quanto são tontos e conseguem ser ainda mais tontos. E nisso conseguem nos
prejudicar, porque nós não conseguimos ainda, Alex, compreender essa estrutura.
Quando alguém finge que é inteligente no meio de falas estúpidas e burras
a gente não sabe como desconstruir porque esse indivíduo também se coloca
numa posição surda. E cega. Ele não quer ver o que você mostra a ele, ele não
quer ouvir o que você tem a dizer, ele não tem condições de ouvir e de
entender. Eu fico pensando em coisas do tipo ideologia de gênero. É uma das
coisas mais estúpidas que já se inventou na história do Brasil! É de uma
estupidez! Essa escola sem partido...é uma coisa obtusa! E tudo isso, ao mesmo
tempo, é canhestro. No sentido de ser diabólico. Porque produz uma operação
mental no indivíduo de senso comum que não está acostumado a estudar essas
questões. Antes, numa sociedade menos prepotente ou menos autoritária quando as
coisas ainda estavam num estado de latência, nós costumávamos respeitar os
professores, a gente costumava pensar que essa pessoa que estuda, essa pessoa
que sabe alguma coisa, essa pessoa que se ocupa... como a gente respeita ainda
médicos, como respeita talvez um advogado, mas cada vez menos. E hoje esse tipo
de ideia vem à tona com um grau de verdade, de poder, e na contramão, quem faz
a crítica, quem tenta mostrar o absurdo que é, é também silenciado, porque
existe... a política é sempre uma luta pela hegemonia... então, quem está
podendo fala mais alto... e quem pode falar mais alto nesse momento é a
televisão...quando o governo faz aquilo que a televisão quer...a televisão
hegemônica tem muitos interesses em jogo, então, evidentemente, ela pode
fazer-se silenciosa, acobertar certas questões, mas como mecanismo, aliás todos
os meios de comunicação fazem isso, quando reduzem a comunicação ao poder, vão
´pra cima, vamos dizer assim, tentam atingir aqueles que são nocivos para essa
manutenção do poder, perigosos para essa manutenção do poder.
Como é que você chegou à televisão?
Eu? Você sabe que eu não vejo televisão, né? Nunca. Faz uns 15 anos que
eu não tenho o aparelho de televisão na minha casa. E... as pessoas ficavam me
convidando pra fazer as coisas e eu ia. Até hoje é assim. As pessoas me chamam
pra conversar... pra falar... e com as coisas que eu fiz e televisão foi assim
também. E aí eu escrevi um livro enquanto estava fazendo esse programa Saia
justa, que é um programa de mulheres, chamado “Olho de vidro”. Foi curioso pra
mim naquele período da minha vida ser chamada para participar de um programa
como aquele e era um trabalho e era uma aventura que naquele contexto parecia
muito interessante, mas logo eu comecei a pensar porque, como filósofa, minha
tarefa histórica é pensar, eu fui tentar pensar na televisão e aí surgiu essa
questão da televisão ser uma prótese, o olho do vidro é justamente uma metáfora
dessa prótese para as pessoas condenadas ou colocadas na posição de
telespectadoras a televisão funciona como uma prótese da própria realidade,
então, a realidade não interessa, o que interessa é que na televisão está a
realidade, uma prótese de conhecimento. O que seja conhecer, perguntar sobre a
vida, ter curiosidade sobre outras coisas passa, se existir ainda, passa pela
televisão. A televisão define o que importa e o que não importa em termos de
conhecimento. E em termos de discussão sobre a realidade. Então, foi um livro
que eu gostei muito de escrever naquela época, ele saiu em 2011.
Impressionante como as pessoas ganham muita grana na televisão...
Cada vez menos, né. Como qualquer empresa tem muita grana envolvida
porque é uma empresa que vende imagem e a imagem é um grande capital na
sociedade do espetáculo. Mas, ao mesmo tempo, proliferam programas, proliferam
canais... na época em que eu estava fazendo Saia Justa já não era, assim, um
monte de dinheiro... era um dinheiro, um salário que para um professor, OK, é
um bom salário, eu sou professora, nunca deixei de ser professora, era um
empreguinho interessante para ir lá uma vez por semana, apesar de não ter
direitos trabalhistas, mas foi curioso, interessante, pensei muitas coisas a
partir daquela experiência, porque eu sempre fui muito fechada no meu mundo, ou
fechada na sala de aula, ou fazendo minhas pesquisas acadêmicas ou escrevendo
meus livros. Então, nunca imaginei ter entrado nesse outro mundo... caí na
vida, né. Caí num mundo totalmente desconhecido pra mim. Pena que hoje em dia a
televisão hegemônica seja uma televisão tão difícil. Tão perversa. Não é o meu
meio de comunicação preferido, de jeito nenhum. Eu nem assisto, nem gosto de
fazer, mas, também, não tem problema.
O que você acha dessa exaltação da grana? No Brasil quem tem grana tem
valor, sai na capa da Veja. Sai porque é rico não porque é bom.
O que que é o capitalismo? Onde está o capitalismo como um lastro
fundamental, como fundamento da cultura? É aterrorizante até de pensar. Quais
são os capitais? O dinheiro pode ser um capital, a imagem pode ser um capital e
aí tem capitais menos relevantes que empoderam o sujeito. Educação,
cultura, inteligência, humor são várias qualidades que a pessoa pode ter... a
gente pode pensar em capital social, capital educacional, esse capital que vem
da família, da classe social na qual você transita e...mas, assim... o capital
criativo, talvez, sei lá...capital artístico, capital crítico...o dinheiro está
lá em cima, de fato...essa também é uma sociedade do espetáculo, então a imagem
também está lá em cima... você pode ganhar muito dinheiro em função da sua
imagem...vamos pensar no mundo do vedetismo... as atrizes, os atores, os
internacionais, os nacionais, os de Hollywood, os da Rede Globo...o dinheiro é
que importa... você pode também comprar a capa da revista...e se compra... se
você tem muito dinheiro pode comprar a capa de uma revista que vende mais... se
você tem pouquinho dinheiro você pode comprar a capa de uma revistinha que se
vende ali na esquina...você manda um e-mail lá, paga 300 reais e aparece na
capa. Mas eu acho que a gente não tem um único capital. O capitalismo significa
que tudo vira capital, o que é péssimo, porque tudo pode virar mercadoria...
educação vira mercadoria, comunicação vira mercadoria...a criatividade vira
mercadoria... as coisas mais delicadas e fundamentais na vida da pessoa viram
mercadoria...e que, óbvio, esse 1% da população que tem a metade do dinheiro do
mundo pode comprar todas essas outras mercadorias, todos os outros capitais.
Bem-sucedido é quem tem muita grana. Não importa como ganhou a
grana. Você ouve falar “Eduardo Cunha é um cara mau, mas é um cara
bem-sucedido”.
Tá doido quem consegue falar uma coisa dessas! Mas está no imaginário da
população. Por que? Porque capitalismo é sinônimo de valor. Então, nós nos
reduzimos a isso.
Na verdade, na verdade, a média dos brasileiros não liga para a
corrupção...tanto que se vê que esse ministério é formado por corruptos e as
pessoas acham que esse governo pode dar certo...vai arrumar a economia... as
pessoas deveriam estar nas ruas gritando não queremos esses corruptos!
As pessoas nem sabem o que estão falando, mas isso também é efeito de
uma educação que foi desmantelada e deixou a população sem recursos para pensar
o que pode lhe acontecer em termos de sociedade...
Parece que basta ter um herói... está lá o Sérgio Moro...então, pronto,
tá resolvido. Quem é esse Sérgio Moro?
Sabe que esse cara eu não estudei ainda? Mas isso que você está falando
faz sentido. É o herói do momento. Joaquim Barbosa também já foi o herói do
momento. Foi o herói que não continuou porque o Brasil encontrou um outro
herói. Branco. E ele era um herói negro. Nunca se fez... eu estava pensando
outro dia: como tem capas de livros com o Moro... por que tem esse monte
de livros? Porque como está todo mundo falando dele a editora mais simplinha,
mais pequenininha... você pode criar uma editora com um livro do Moro...a
imagem do Moro também é capital. Vai vender livro, vai vender botton, camiseta,
revista, o que quer que seja. Pode vender voto, pode vender fé, sei lá o que se
pode fazer com essa imagem. Mas ele é branco, o que pega na construção da
imagem do herói nacional. Os brasileiros são racistas e talvez o Joaquim
Barbosa não tenha ido tão longe, não tenham sido feitos tantos livros, talvez
não tenha existido nenhum livro, talvez porque ele fosse negro. Mas a cultura
do espetáculo é essa, que vive de heróis. Se a política não tem heróis,
constrói-se um herói lá no Judiciário. Que vem junto com a crença popular,
manipulada pela televisão, de que o estado deve ser policial. De que o próprio
Judiciário, como parte do estado, deve ter o poder de punição. E não ser o
poder que opera a Justiça.
Eu acho que existem hoje quatro poderes no Brasil: o Executivo, o
Legislativo, o Judiciário e Sérgio Moro.
(risos) Que ótimo! É, faz sentido, porque essa imagem do Sérgio Moro não
tem nada a ver com o Judiciário, tem a ver com a mídia. Então, faz sentido. A
mídia elege essas figuras imagéticas, um personagem no qual a população pode
depositar aquilo que já foi definido como importante para a população, porque
não foi a população que escolheu isso. Mas, imagina você criar a cultura da
segurança. Uma cultura policial. Uma cultura punitivista. E aí você cria um
herói que é policial, securitário, digamos assim, punitivista. O sucesso do
punitivismo entre nós é assustador! E por que? Porque as pessoas acreditam que
mandando prender, que batendo, espancando, destruindo, isso poderia resolver
todos nossos problemas. Que os problemas podem ser resolvidos na base da
violência. E que o poder também se resolve nesse sentido, que o governo também
se resolve nesse sentido, que os problemas emocionais, psicológicos, sociais se
resolvem na base da violência. Do Capitão Nascimento ao juiz heroicizado
é isso, é a expectativa das pessoas de que, punindo resolveremos essas
questões.
E, principalmente, se o Lula for preso!
Ah, sim...
Parece que prender o Lula vai salvar o país...
Isso faz parte de um roteiro...mas quem quer isso não são as pessoas...
as pessoas votariam no Lula...
Você abre o facebook, tem mensagens tais como “ah, por que não põe esse
cara na cadeia”?! Muros pichados com a frase “Lula na cadeia”. O que faz as
pessoas pensarem assim?
Tem a ver com isso. Cria-se o herói, cria-se o bandido. O bandido é esse
nesse momento, o herói é aquele. E esse é o jogo. Existem pessoas que trabalham
com essa visão publicitária dizendo “vamos prender”. Isso é publicitário. Se as
pessoas pararem para pensar o que significa esse punitivismo, esse
aprisionamento de tanta gente, vão chegar a outras conclusões, se usarem a sua
inteligência vão pensar que é melhor construir uma sociedade livre, com
escolas, com trabalho, com desenvolvimento, com criação, se todo mundo pensar
numa sociedade para o melhor pensará nas melhores coisas. Pensará na natureza,
pensará na cultura, pensará no bem-estar. Então, acho que existe uma lógica
publicitária que opera vendendo isso para a população e algumas pessoas tomam
isso para si quase que numa posição daquilo que o Nietsze no século 19 chamava
de “o sacerdote asceta”... agora é o “sacerdote punitivista”... pensando os
bons e os maus... o maniqueísmo também...vamos prender os maus! E se eu prender
o mau eu sou o bom! Se eu disser que tem que prender esse que fez o mal eu
serei o bom. Esse tipo de lógica só é possível porque as nossas subjetividades,
digamos assim, foram esvaziadas. E como é que elas foram esvaziadas? Através de
processos publicitários, que são processos de linguagem. Nós chegamos a ser o
que somos e chegamos nesse estágio em função de operações diversas, miúdas que
nos atravessam e que vêm através do que a gente lê, do que a gente ouve, do que
a gente assiste e isso, que nós lemos, nós ouvimos, nós assistimos isso não vem
do nada. Isso é produzido, isso é programado. A pessoa quando escreve um livro
tem uma intenção. E nem sempre vem da cabeça do autor, vem da cabeça da
editora, vem do próprio capital... a editora quer ganhar dinheiro, então ela se
associa com outra instituição para isso ou para aquilo. Ao meu ver tem uma
grande programação porque a lógica do capitalismo é a lógica da programação. E
da programação das nossas subjetividades. Se a gente quiser usar as expressões
do Foucault: o político e o “anatomopolítico”. Mas é um controle sobre os
nossos corpos, sobre os nossos desejos e sobre os nossos pensamentos que fazem
parte desse corpo, a gente pensa com o corpo, a gente age com o corpo. Então, é
“anatomopolitico”, é “biopolítico”, atinge as populações. Fazer o que com isso?
Desmontar o capitalismo. Como desmontar o capitalismo? Acho que temos que
produzir outros processos, mas todos esses processos alternativos ao
capitalismo ainda são muito desconhecidos das pessoas e justamente o massacre
contra o conhecimento serve para que as pessoas não tenham acesso a um outro
tipo de conhecimento que permita romper com o capitalismo.
Eu acho que o que ameniza ou humaniza o capitalismo é a inteligência. Há
países capitalista onde o capitalismo foi domado, como na Noruega, onde a
diferença entre o mais rico e o mais pobre não é esse abismo que existe no
Brasil, por exemplo.
Exatamente. Talvez eles estejam numa fase do capitalismo mais civilizada
por todos esses fatores da produção simbólica, da produção da cultura, os
arranjos políticos vão surgindo, então, dentro de acordos...
Eles aprenderam com a barbárie, porque já foram bárbaros um dia...
Agora, a situação que a gente vive no Brasil, a gente pode dar até esse
nome, porque é a barbárie. É o capitalismo no estágio, é até clichê falar isso,
selvagem. Agora selvagem é uma coisa boa, é melhor entender o capitalismo, aqui
no Brasil, como barbárie. Eu acho que o governo mais à esquerda que a gente
conseguiu ter aqui, que foi o do PT amenizou essa situação, tornou o
capitalismo palatável, a esquerda palatável para o capitalismo, foi palatável
durante um longo período e deixou de ser palatável para as elites dominantes
por muitos fatores... fatores que envolvem o pré-sal...envolvem os desejos
internos do golpe... o casamento entre... o golpe é o casamento entre o
colonialismo externo e o colonialismo interno...é esse o arranjo... foi um jogo
que deu certo...é o império, o imperialismo de sempre que, de repente, já
explorou as populações indígenas, já inventou a escravização das populações
africanas, já espezinhou os trabalhadores, espezinhou as mulheres e acabou com
o povo brasileiro, e lá pelas tantas descobre que o Brasil tem uma riqueza tipo
pré-sal. Sempre também abusou da natureza brasileira. O jogo do colonialismo
com o Brasil sempre foi um jogo que visava usar a natureza brasileira como
“comoditie”. As árvores brasileiras... os metais brasileiros... e continua... a
Amazônia brasileira... a água brasileira...esse Brasil-espaço, esse Brasil
grande, onde se pode criar gado. Já pensou nisso? A terra propriamente dita. Se
a terra não estivesse na mira dos poderosos a gente teria uma reforma agrária.
A gente já teria uma justiça da terra aqui no Brasil. Então, é pesadíssimo
pensar nisso. E os interesses de fora, do imperialismo, digamos, dos países
donos do capital combinam com os interesses dessa elite branca e jeca – eu
sempre vou dizer: muito jeca, muito cafona – que agora ajudou a dar esse golpe.
E a gente está falando de Temer, está lembrando do ministro da Justiça e
esquecendo de figuras abjetas que também fazem parte do terror nacional.
João Dória, por exemplo...
João Dória... e o José Serra???
Quem é essa figura?
Quem é essa figura? Eu também quero saber. Quem é essa figura que é um
invotável...que é mais um desses abnóxios...tenta, tenta, tenta e nunca
consegue...uma figura da impotência política. E que começa a virar uma figura
rasteira. E que nesse momento também só nos envergonha. É o operador da venda da
Petrobrás, do pré-sal, do fim dessa riqueza impressionante que está na mão dos
brasileiros... é um personagem importante nesse cenário... é um pérfido
personagem, que também tem uma iconologia do horror, junto com Temer, ele
também é um vampiro. O dia que a gente resolver fazer uma análise... justapor
um mapa do terror e o mapa desses políticos do Brasil, fazer uma cartografia,
analisar o nexo dessas imagens do terror...do horror, melhor dizendo, o horror
da política brasileira são esses caras, é interessantíssimo. Que figuras eles
representam? Quem são os bichos feios, os ogros?
Eu perguntei ao Bresser Pereira se ele ainda era amigo do Serra e ele
disse “mas o Serra não tem amigos”.
Não sei, não conheço, graças às deusas que me protegem nunca tive o
desprazer de chegar na frente dessas pessoas, mas acho que deve ser uma coisa
pavorosa. Um pesadelo mesmo. A gente está vivendo isso. Um pesadelo. Eu acho
que a gente está nesse clima de pesadelo.
Esse João Dória eu também acho uma figura abominável...
Figuras bizarras... a gente poderia rever o cenário da política
brasileira, os políticos estão nessa linha... na semiótica do horror. Parece
que eles saíram da tumba.
O pai dele era conhecido como João Dólar...
Que medo...
Então ele é o João Dólar Jr. Ele tem um campo de futebol dentro da casa
dele...e só fala bobagem... e está no “Panamá Papers”.
Então, por outro lado, isso que você está falando me faz pensar no
seguinte: o lugar do poder na cultura política brasileira foi esvaziado de
sentido de tal modo, esvaziado de sentido em termos de cidadania, em termos de
política, foi tão esvaziado que só quem se interessa, quem busca esse poder são
essas figuras bizarras. Então, quando o governo golpista se coloca em cena seu
primeiro ato é renovar esse esvaziamento, tirando toda a representação política
que é necessária para a compreensão da política no seu sentido mais
contemporâneo que implica na representação das identidades, das mulheres, dos
negros, dos indígenas, dos trabalhadores...se varreu com tudo isso como se se
quisesse dizer que não tem mais democracia porque não tem mais representação,
se esvaziou a política de democracia, num ato vampiresco mesmo, sugou-se o
sangue da democracia... a democracia era o sangue, ela foi esvaziada... as
veias do Brasil estão esvaziadas do seu sangue democrático. Essa é a metáfora
que a gente pode usar. E se coloca todas essas figuras dantescas, abjetas,
absurdas, maldosas, ogras, toda essa gente que não tem ética, não tem decência,
não tem compreensão de política, não gosta de democracia, porque essa é a
impressão que eles dão e ao mesmo tempo usam a fachada. Então, o gesto do
governo foi, digamos assim, repetir, reafirmar o esvaziamento da democracia. O
corpo do Brasil, no qual o sangue democrático transitava nessas veias, transitava
já de uma maneira tão precária foi esvaziado.
Esquecemos de falar do Renan Calheiros, que é outro...e todos eles têm
esse componente da relação torta com as mulheres...
Todos são machistas, todos são misóginos, todos são homens brancos e
todos pensam, como infantis que são, como autoritários que são, melhor dizendo,
todos pensam que o poder lhes pertence. E pensam que o Brasil é deles. E são as
elites que reproduzem e reafirmam a desigualdade social. E a desigualdade de
gênero, e a desigualdade econômica e que fazem tudo virar desigualdade, que
constroem a desigualdade, ou seja, destroem a sociedade quando produzem
desigualdade. Eles são as figuras da desigualdade. A gente vai ter que mudar
isso. Como? Essa é a questão. Eu acho que crescem no Brasil os movimentos
sociais, os partidos de esquerda, as pessoas que estão se politizando a partir
desses horrores todos que estão sendo percebidos, muita gente está se filiando
nos partidos de esquerda, tem gente que saiu, mas teve muito mais gente que
entrou, então tem esse movimento de repolitização pela percepção do perigo que
nós estamos correndo.
E os senadores? Vão aprovar o impeachment?
Eu não acredito... eu espero estar errada...amigos dizem até que eu ando
com complexo de Cassandra, aquela personagem que fazia profecias e ninguém
ouvia o que ela tinha pra dizer, então eu espero estar errada, que o golpe não
se confirme, mas acho que isso é impossível, realmente acho que vamos até
o fim do poço... e acho que depois dias piores virão...porque por enquanto estamos
no limbo, mas chegaremos ao inferno, no inferno não sei o que vamos fazer...e o
inferno não é o que a gente espera. O inferno não é, simplesmente, a manutenção
do governo Temer. É bem possível que o governo Temer também acabe. E que coisa
pior seja colocada no seu lugar. Você deve estar pensando “nossa, mas o que
pode ser pior que isso”??? Uma eleição indireta que escolha um canalha mais
descolado ainda...não vou concluir o meu vaticínio pra não deixar você
deprimido. (risos)
Mas do que você tem medo?
Eu tenho medo disso...que numa eleição indireta que a gente está
correndo o risco de ter aí pela frente... eu realmente tenho medo que o Eduardo
Cunha venha a ser presidente...ou alguma figura tão abjeta quanto... o que é
que você acha? Pensa aí, pensa aí na desgraça que nos espera...
Eu tenho esse medo também...
Ah, finalmente fui ouvida! Você me curou do meu complexo de Cassandra...
Ninguém consegue cassar esse cara...
Ninguém consegue... ninguém vai... esse negócio vai passar assim...
Ele tem a força do Mal. Temer não tem...
Nada...
É um boneco de vento.
E vai passar.
Esse Rodrigo Maia então...me dá pena...
De nós, né. (Risos)
De nós... dele... é um bebê chorão...
Que ridículo, né.
Ele foi gandula, eu li no jornal. Ele não foi gandula, ele é um
gandula...
Nossa! Que informação, Alex!
Ele não foi gandula, ele é...
Nada contra os gandulas...
http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/246666/Marcia-Tiburi-ao-247-%E2%80%9CEstamos-numa-nova-ditadura%E2%80%9D.htm
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