No
golpe de 1964, contra Jango, o STF (Supremo Tribunal Federal) ficou com os
golpistas daquela época e com a ditadura implantada.
No
golpe de 2016, contra Dilma, o STF, com outros Ministros, mas com o mesmo
posicionamento ideológico também fica do lado dos golpista e da camuflada
ditadura. Até aí tudo bem, porque se sabia que, segundo o então senador Romero
Jucá, a destruição da democracia se daria por um "golpe com Supremo, com
tudo".
A
novidade do STF no golpe de 2016 foi quando optou pelo julgamento do mesmo em
sessão virtual ou Plenário Eletrônico, impossibilitando a presença da sociedade
no Plenário físico e até dos próprios advogados da ex-Presidenta, bem longe de
um cara a cara de forte responsabilidade com a quebra das regras
democráticas.
Mas,
como sempre, a ex-presidente reagiu e divulgou à sociedade brasileira, nessa
data - há exatos 2 anos do assassinato de Marielle Franco - um
"Contesto!", que possibilita uma reflexão para todos e todas nós e
expõe para o Brasil sua posição sobre o julgamento virtual realizado.
A seguir, você lerá o "Contesto!
No último 11 de março foi
concluído, pelo Supremo Tribunal Federal, o julgamento dos processos judiciais
que promovi para discutir a validade do meu impeachment. Por meio de sessão
virtual (plenário eletrônico) e, portanto, sem que a minha defesa pudesse
apresentar minhas razões em sustentação oral, a maioria dos ministros da
Suprema Corte decidiu por manter a decisão isolada que monocraticamente as
julgou.
Reitero o que tenho
apontado desde 2016: fui vítima de um golpe parlamentar baseado em um
impeachment fraudulento, ato inicial de um retrocesso institucional que abriu
caminho para a crise da democracia que estamos vivendo.
Diante dessa decisão e da
forma pela qual foi tomada, não posso me calar. Na condição de pessoa
que lutou pela democracia e sofreu até no seu próprio corpo as consequências
dessa luta, afirmo que o que foi decidido pela Suprema Corte está em desacordo
com a nossa Constituição, com a legislação em vigor, com o Regimento Interno do
próprio STF e com o princípios que orientam um Estado Democrático de Direito,
que desde o golpe do impeachment, vem sendo fragilizado junto com as
instituições da República.
Por isso, no exercício da
liberdade de manifestação garantida pela mesma Constituição Federal que jurei
cumprir ao tomar posse no meu mandato presidencial,
CONTESTO essa decisão
por não ter sido provada a prática de qualquer crime de responsabilidade por
mim praticado, inexistindo reais motivos constitucionais para que a cassação do
meu mandato fosse decidida pelo Senado Federal;
CONTESTO essa decisão
porque esse processo foi instaurado por decisão jurídica inválida em face do
notório desvio de poder em que incorreu o então Presidente da Câmara dos
Deputados, Sr. Eduardo Cunha, ao firmá-la em represália ao fato de eu ter me
recusado a pedir que meu partido votasse contra a abertura do procedimento que
acabaria por cassar seu mandato de deputado federal;
CONTESTO essa decisão
pelo fato de que meu impeachment foi promovido e consumado por uma comprovada
articulação golpista de líderes políticos caracterizados pela falta de caráter,
pela deslealdade institucional e pelo descompromisso ético com a coisa pública,
como o próprio decurso do tempo já se encarregou de demonstrar e a história
haverá de registrar para sempre;
CONTESTO essa decisão
porque as acusações que motivaram o meu impeachment foram condutas realizadas
pelos governos que me antecederam, sendo até então consideradas como lícitas
pelos órgãos de controle, por juristas e por órgãos técnicos do Poder Executivo
Federal;
CONTESTO essa decisão
porque nunca nada foi comprovado em meu desfavor quanto a falta de probidade, a
prática de corrupção ou de enriquecimento ilícito, ao contrário de que ocorreu
com os que articularam e promoveram o golpe parlamentar que me afastou da Presidência
da República ou acabaram constituindo o governo golpista que me sucedeu;
CONTESTO essa decisão
porque tenho por inaceitável que o Supremo Tribunal Federal, após longos anos
de tramitação, não tenha examinado o meu pedido judicial em sessão pública e
presencial do seu colegiado maior, como se fosse comum e corriqueiro o
julgamento de processos que envolvem a perda de um mandato presidencial;
CONTESTO essa decisão
por não ter a nossa Suprema Corte se permitido examinar as arguições de fundo
que foram apresentadas pela minha defesa, afastando-se, com isso, do princípio
estabelecido na nossa Constituição de que nenhuma lesão de direito pode ficar
afastada da apreciação do Poder Judiciário;
CONTESTO essa decisão por
ter criado um perverso precedente judicial pelo qual todos os processos de
impeachment futuros, inclusive os passíveis de serem promovidos contra
Ministros da Corte Suprema, não poderão comportar reexame judicial do seus motivos,
legitimando, com isso, novas violências e golpes que porventura possam vir a
ser praticados contra o voto popular ou contra o livre exercício das funções da
mais elevada magistratura do país;
CONTESTO essa decisão
por ter admitido que processos dessa gravidade possam ser decididos
monocraticamente, invocando contraditoriamente o embasamento regimental de que
existiria jurisprudência consolidada a respeito, ao contrário do que
expressamente reconheceu o próprio relator original, Ministro Teori Zavascki,
ao explicar as razões pelas quais negava a medida liminar por mim pleiteada;
CONTESTO essa decisão não
por imaginar que pudesse ser ainda reconduzida ao cargo, uma vez que o tempo do
meu mandato se exauriu diante da demora na apreciação final das ações judiciais
que promovi, mas por ter a convicção de que a história democrática do nosso
país merecia o respeito de uma decisão jurisdicional que examinasse a ausência
de motivos para o meu impeachment, e de que o objeto da punição indevida e
injusta que a mim foi aplicada ainda pode sobreviver juridicamente por restarem
pendentes de decisão da Suprema Corte as ações judiciais em que se discute a
perda dos meus direitos políticos;
CONTESTO essa decisão
pelo fato de que o processo acessório em que se discute a perda dos meus
direitos políticos está a espera de pauta para ser apreciado de modo presencial
pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, enquanto o processo principal foi
julgado em sessão virtual como se fosse uma demanda corriqueira na qual são
discutidas questões comuns e de fácil solução;
CONTESTO essa decisão
pelo fato de que meus algozes terão direito a voz na sessão pública em que se
julgará os processos em que se discute a suspensão dos meus direitos políticos,
negada pelo Senado Federal, enquanto a minha defesa não teve a mesma
oportunidade para demonstrar a ilicitude da decisão principal que a motivou;
CONTESTO essa decisão,
finalmente, em decorrência de que os cidadãos que tem receio de erguer a sua
voz contra a injustiça e na defesa do Estado Democrático de Direito, se tornam
cúmplices de abusos, de golpes e de atos de violência institucional, o que
jamais farei, mesmo que passem os anos e a saúde me falte, uma vez que
coerência, lealdade às minhas crenças, honestidade e coragem, são para mim diretrizes
de vida que apenas podem ser ignoradas pelos tíbios ou pelos hipócritas,
categorias em que, com o orgulho de ter nascido mulher, jamais me enquadrarei.
* Ex-Presidenta da República Federativa do Brasil”
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