Com o “golpepítiman” continuado, um dos segmentos institucionais grandemente
questionado é o judiciário brasileiro. Muitos sonhos sobre a imparcialidade de
pessoas integrantes do judiciário caíram por terra e terra árida.
Alguns textos sobre o atuar do judiciário, que envolve juízes e juízas,
desembargadores e desembargadoras, e ministros e ministras foram lidos.
Mas um deles, após eleição, acredita-se retrata bem o referido atuar ou “julgar”
desse que deveria ser um poder de garantia de “direitos, democracia e
republicanismo”, como foi pensado e ainda é – por alguns – assim tido.
O texto é de autoria do Professor Lênio Streck e foi publicado no Carta
Maior na internete. Você pode o ler lá, no portal, ou abaixo:
“Via ADPF 548, STF
censura (e bem) a censura eleitoral!
Gostei tanto dos votos dos ministros que pensei em
mandar e-mail ou WhatsApp para pedir que o STF aja assim julgando de imediato
as ADCs 43, 44 e 54. Só para pegar o embalo desta ADPF 548. Vá que, no embalo,
o STF possa voltar aos velhos tempos...!
Passadas as eleições, há
que fazer um rescaldo. Tanta coisa aconteceu. Além da guerra cibernética e suas
mentiras (fake news), o marcante foi a “volta” do decreto 477, agora sob
nova roupagem: a superinterpretação da legislação eleitoral.
O que é firme e forte foi o que —
paradoxalmente — mais sofreu bombardeio durante o pleito: as urnas eletrônicas.
As malditas urnas eletrônicas acabaram, ao final, aceitas. Ufa. Que bom.
Esperamos que na próxima eleição não apareçam de novo vídeos de “jênios”
demonstrando as fraudes. Poxa, o que teve de vídeo de “cientistas” sobre
isso... E de conspiradores. Vídeos tão importantes quanto os que provam que a
terra é plana. Ou que Darwin é um charlatão.
De todo modo, a bem da verdade, a
par do sucesso das urnas eletrônicas, devemos registrar a goleada que o TSE
levou do WhatsApp F.C. O resultado do jogo foi WhatsApp 10x0 TSE, com gols dos
craques Fake, News, Algoritmo, Grupo, Grupinho e dois gols de pênaltis marcados
— fora da área pelo VAR - pelo ponta direita Havan. O cara joga na ponta e bem
aberto.
Diga-se, de novo a bem da
verdade, que, ao final, na prorrogação, o time do TSE ainda tentou alguns ataques,
alçando a bola na área, mas os WhattAppianos se fecharam
direitinho, impedindo qualquer penetração. Esquema ferrolho. Chegaram até a
provocar o recuo do time do WhatsApp, mas aí Inês já era um corpo
estendido no chão, como narrava Januário de Oliveira (relembre aqui da narração).
Parece que o TSE acordou, mesmo,
com o ataque de um reserva, o coronel de pijama que começou a atirar petardos
contra o TSE e o STF. Só assim veio uma reação mais forte, impulsionada também
pelas palavras do deputado que falou sobre a coisa do jipe, do soldado e do
cabo.O STF respondeu com veemência.
Com efeito, esses dois episódios,
mais uma manchete da Folha de São Paulo, ligaram a luz amarela do
jogo. Só que de há muito o novo mito da caverna já se encalastrara nos
corações e mentes (refiro-me ao novo mito da caverna, em que a caverna é um
grupo de WhatsApp – ver aqui o novo mito da caverna). Os episódios do coronel e
do jipe apenas jogaram um pouco de luz na cena.
Por outro lado, já nos dois ou três últimos dias, apareceu algo novo no jogo eleitoral. Segundo a Procuradora-Geral da República, juízes e TREs extrapolaram na interpretação da legislação eleitoral. As atitudes (ordens de invasão de Universidade, mandado verbal, apreensão de material e coisas do gênero) foram classificadas como autoritárias, e receberam outros adjetivos por jornais como a Folha de S.Paulo e autoridades acadêmicas e judiciais.
Por outro lado, já nos dois ou três últimos dias, apareceu algo novo no jogo eleitoral. Segundo a Procuradora-Geral da República, juízes e TREs extrapolaram na interpretação da legislação eleitoral. As atitudes (ordens de invasão de Universidade, mandado verbal, apreensão de material e coisas do gênero) foram classificadas como autoritárias, e receberam outros adjetivos por jornais como a Folha de S.Paulo e autoridades acadêmicas e judiciais.
Ora, “data vênia” (brinco, aqui,
com a parte da comunidade jurídica que ficou excitadíssima com essas práticas),
proibir que nas Universidades, privadas e públicas, se pudesse colocar faixas
contra o fascismo ou impedir que se discutisse democracia parece ter sido um
tiro no pé e uma demonstração de antecipação de certa forma de adesão ao
ideário do novo regime. Sim, só assim se explica que, se a CF diz que o Brasil
é um Estado Democrático de Direito, é porque a CF é antifascista. Esta, a de
1988, é claramente antifascista. E, por conter cláusulas pétreas, é
antiditadura. Antiautoritarismo. Qualquer rábula de primeiro ano da Faculdade
de Direito da UniNada sabe disso. Logo, proibir que se coloque uma
faixa com os dizeres “Somos contra o fascismo” ou algo parecido, é proibir um
ato absolutamente a favor do ideário da CF.
Bom, a coisa tomou um rumo tal
que a própria PGR, talvez um pouco constrangida por seus próprios colegas do
MPF que denunciaram a distopia desse tipo de
decisão de juízes e dos TREs, ingressou com ADPF, no que foi corroborada por
fortes declarações de Ministros do STF. A Ministra Carmen Lúcia deferiu liminar
na ADPF ajuizada por Raquel Dodge, contra decisões de juízes eleitorais que
determinam a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral
em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes,
proíbem aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza
política, impondo-se a interrupção de manifestações públicas de apreço ou
reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em universidades federais
e estaduais. As medidas estariam baseadas no artigo 37 da Lei n. 9.504/1997.
Importa referir e lembrar que o
presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e a PGR, Raquel Dodge, cobraram no
dia 26 de outubro autonomia e liberdade nas universidades, após ações policiais e da Justiça Eleitoral proibirem
discussões sobre democracia e fascismo e retirarem faixas com dizeres
antifascistas, sob a justificativa de coibir propaganda eleitoral irregular
em prédios públicos. Estes são elementos simbólicos importantes para entender o
imbróglio.
No voto do mérito da AFPF (548),
a ministra Carmen Lúcia chegou a dizer que os atos praticados, ao se
contraporem à Constituição, traem o Brasil, invocando a fala de Ulisses
Guimarães feita no dia 5 de outubro de 1988. Falou também que houve um garrote
nas liberdades. Os demais ministros jogaram igualmente pesado.
O mais contundente foi o Ministro
Gilmar, que lembrou o passado alemão de censura e queima de livros. Ao final,
Gilmar fez um adendo, tratando do famoso post da deputada de Santa Catarina que
incentivava delação, vigilância e censura nas salas de aula, sugerindo,
inclusive, uma espécie de injunção a ser feita a partir de uma analogia com o
artigo 19 do marco civil da internet. Correto o Ministro Gilmar. Talvez no seu
voto esteja um modo de estancar a sangria provocado por esse festival de fakenews que
assola a República. Para quem ainda não viu o post, veja abaixo. E não é fake.
Observa-se que a Suprema Corte foi firme e jogou pesado em relação aos acontecimentos nas Universidades e afins. Li, nas entrelinhas, bons recados ao nosso establishment.
Observa-se que a Suprema Corte foi firme e jogou pesado em relação aos acontecimentos nas Universidades e afins. Li, nas entrelinhas, bons recados ao nosso establishment.
E, de novo, não posso deixar de
pedir que a Corte, aproveitando o embalo, retome o julgamento das ADCs que
tratam da presunção da inocência. Melhor dizendo, gostei tanto do voto da
ministra Carmen e os que se seguiram, que pensei em mandar email ou whatsapp
para pedir que o STF aja assim julgando de imediato as ADCs 43, 44 e 54. Só para
pegar o embalo desta ADPF. Vá que, no embalo, o STF possa voltar aos
velhos tempos...! Bom, esta coluna pode servir de e-mail. Presunção de
inocência, já!
Interessante e emblemático foi a
proibição de reuniões nas Universidades (por exemplo, no RS o TRE proibiu ato
na UFRGS e, nessa linha, o MP estadual mandou recomendação a uma
universidade privada ameaçando com multa de 500 mil caso os alunos fizessem o
ato pela democracia anunciado) e a “licença poética” da justiça – em todo o
país - em relação às igrejas (mormente as pentecostais – A Igreja Universal
abriu apoio explícito a um dos candidatos e a sua TV, a Record, fez uma
generosa entrevista com o candidato à revelia da legislação eleitoral) que se
atiravam diariamente na pregação a favor do candidato vencedor, havendo até
vídeos de cultos nos quais os fieis faziam o gesto da arma com os dedos. E há
fotos do dia da eleição de fiéis saindo da Igreja vestidos com a camiseta do
candidato. Mas nas faculdades, nada disso pode ser feito ou discutido! Até Roger
Waters foi censurado. É. O Decreto 477 voltou das trevas. Repristinaram o
morto. Mas, com a ADPF de ontem, o STF parece ter enfiado uma faca no coração
do Jason.
As ações condenadas pelo STF na
ADPF foram (são?) sinais ruins. Invadir e censurar reuniões e aulas é o Direito
dando um tiro no próprio pé. Autofagia ou haraquiri institucional? Podem
escolher. É como se médicos fizessem campanha contra o uso de remédios. O que é
da essência do jurista – lutar contra o autoritarismo – é utilizado a favor de
gestos e atitudes autoritárias.
Eu sou anterior à CF. Fui
recepcionado por ela. Vi meu pai ser preso em pleno trabalho na lavoura por um
batalhão do exército. Eu estava na Faculdade quando Geisel fechou o parlamento.
Eu fui de diretório acadêmico proibido pelos decretos 288 e 477. Eu sou desse
tempo em que buscávamos, nas brechas da institucionalidade um juiz ativista.
Hoje o ativismo se voltou contra o próprio Direito democrático. Na época,
queríamos que o juiz achasse algum resquício de direito no meio do direito
ruim, daquele direito sem Constituição (havia só a de 69, fruto do AI5). Eu sou
do tempo em que se delatava. Quase não entrei no MP por causa de uma
“desrecomendação” de um membro da própria Instituição.
Passamos por tudo isso para vermos, hoje, proibições de colocação de faixas contra o fascismo, porque, pasmem, isso seria propaganda política. Quem assim determinou admitiu, implicitamente, por óbvio – e não há outra conclusão – de que a faixa tinha endereço certo. Que coisa, não?
Passamos por tudo isso para vermos, hoje, proibições de colocação de faixas contra o fascismo, porque, pasmem, isso seria propaganda política. Quem assim determinou admitiu, implicitamente, por óbvio – e não há outra conclusão – de que a faixa tinha endereço certo. Que coisa, não?
Quando entrei na faculdade em
1977, foi fechado o parlamento. Um de meus professores defendia o AI5
abertamente. Para outro, perguntamos se haveria aula no dia seguinte, porque,
afinal, estávamos sem parlamento e as eleições para governador haviam sido
canceladas e senadores biônicos instituídos. Ele respondeu: já vem você com
manifestação política. Pois é. E não é que essas decisões determinando invasões
de Universidades e proibindo faixas e encontros no interior das Casas de ensino
repetem o que ouvi do preclaro mestre em 1977, naquele fatídico dia do Pacote
de Abril? Ah, a história.
A maioria dos que lerão esta
coluna não sabem de nada disso. Pacote? Que pacote? AI 5? AI 2? Que Ai’s são
esses? Ah: quase ia esquecendo que o TSE proibiu a veiculação de cenas sobre
tortura, mandando retirar do ar. Argumento: as cenas eram muito fortes. Pois é.
Como cristão e participando do meu aniversário de “confirmação” na Igreja
Luterana lá na terra do dinossauro mais antigo do mundo — Agudo — (com o meu
casamento com Rosane virei católico, mas até hoje rezo o Pai Nosso com a parte
final luterana — “porque teu é o poder e a glória para sempre, amém”, parte que
não está no Pai Nosso católico), falei em nome dos homenageados. Falei sobre as
agruras de Cristo na cruz. Sobre a tortura sofrida por Cristo. Isso foi no dia
14 de outubro. Em tese, cometi crime eleitoral. Estivesse
presente alguém do TSE ou de algum TRE e eu não poderia ter terminado minha
prédica de minha estreia de dublê de pastor da IECLB. Mas a ADPF me salvaria!
Portanto, nada mais, daqui para a frente, de ficar contando a história do
calvário de Cristo. E nada de ficar passando filmes em que o Nazareno é
lapitado pelo látego do carrasco. As cenas podem chocar.”
*Lenio Luiz Streck é jurista e
professor
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Estado-Democratico-de-Direito/Via-ADPF-548-STF-censura-e-bem-a-censura-eleitoral-/40/42257
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