A imprensa grande e muitos livros, além da própria
escolarização falavam ou falam do 9 de julho de 1932. Data restrita às elites e
ao conservadorismo paulista. Em São Paulo “se comemora o 1932, que é
uma festa de caráter reacionário”, diz o pesquisador José Luiz del Roio, também
ex-senador italiano.
O estudioso italiano
ensina que a tal “Revolução Constitucionalista”, como se ensinava e ainda se
ensina nas escolas, ou as oposições política e político-eleitoral ao 1º Governo
Vargas, que apresentava ações fortemente favoráveis à população e aos
desenvolvimentos social e econômico do Brasil, foi uma luta que abrangeu as
oligarquias paulistas.
No entanto, com o
melhor esclarecimento da população e a massificação da chamada pequena imprensa
ou “mídias alternativas”, a comemoração do 9 de julho de 32 caiu em desdém ou
em decadência.
Apesar dessas ‘ações
favoráveis à população e aos desenvolvimentos social e econômico’, por
manipulação e por mentiras contadas, a grande maioria da população e mesmo a
classe empregada ou operária, e até pequenos ou médios empregadores, apenas lembram
que Getúlio Vargas foi um ditador, sem saber muito o que ele representou para o
Brasil daquela época.
Ao contrário, “o dia 9
de julho de 1917 representa exatamente o oposto” da data paulista. O popular 9
de Julho de 1917, representa “o sangue, a luta, o suor da classe operária”,
afirma del Roio. Atualmente, a classe operária teve o seu conceito ampliado e
passou a ser nominada de classe trabalhadora, que abrange as pessoas empregadas
e os pequenos e os médios empresários brasileiros.
O 9 de Julho de 1917 é rememorado e
comemorado como o Dia da Luta Operária, desde 2017, tendo a finalidade de
relembrar as enormes e pouco relembradas lutas operárias do início do Século XX,
bem como o assassinato do operário (empregado) empregado na indústria de
calçados, o sapateiro José Martinez, morte em 9 de Julho de 1917.
O “Seu funeral provocou concentrações
acima de 50 mil pessoas. Isso em uma cidade com aproximadamente 200 mil
habitantes. A data também é um contraponto à celebração oficial que a burguesia
paulista celebra desde 1932”, acrescenta o vereador paulistano Antônio Donato,
do Partido das trabalhadoras e dos Trabalhadores, autor do projeto que foi
convertido em lei.
No saite Rede Brasil Atual, o competente
jornalista Vitor Nuzzi, escreveu a excelente matéria que você poderá ler abaixo
ou no próprio saite (https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/12/a-greve-de-1917-conta-historias-que-continuam-atuais/),
que
tem fotos daquela época: “A greve de 1917 conta histórias que
continuam atuais
Livro escrito por jornalista narra detalhes da
paralisação que tomou a cidade de São Paulo há 100 anos. E fala das ameaças de
retrocesso que desafiam o movimento sindical. Lançamento será nesta sexta. Mobilização:
mulheres ganhavam pouco mais da metade do que recebiam os homens e crianças.
São Paulo – “O caixão foi carregado pelas mãos
dos amigos, antigos ou recém-chegados, outra evidência de que ali se
tratava de um enorme grupo de famélicos, pessoas em desespero. Naquele início
de século, os cadáveres eram distinguidos pelo número de cavalos que
puxavam os carros fúnebres; e, quanto mais enfeitados os cavalos, mais nobre
o morto.”
A descrição é do enterro do jovem sapateiro e
militante anarquista José Martinez, 21 anos, uma das vítimas da greve que tomou
conta de São Paulo de 9 a 16 de julho de 1917, uma referência histórica do
movimento operário brasileiro, em tempos de direitos ameaçados e “reformas” da
legislação. A estimativa é de que 10 mil pessoas acompanharam o féretro pelas
ruas do centro paulistano até o Cemitério do Araçá, saindo da Rua Caetano
Pinto, no Brás, um dos bairros mais antigos da cidade e onde se localiza atualmente
a sede da CUT.
Com lançamento marcado para esta sexta-feira
(15), o livro 1917-2017. 100 Anos de Greve Geral – Passado ou Futuro?,
do jornalista paulistano Isaías Dalle, propõe discutir o momento histórico,
descrevendo o início da organização trabalhista e fazendo a ligação com a atual
conjuntura, que já motivou uma greve geral em 28 de abril. O lançamento, com
debate, será a partir das 18h30, justamente na Rua Caetano Pinto. A iniciativa
é da CUT e da Fundação Perseu Abramo (FPA).
“Ironia
do destino ou a história repetida como farsa, justamente no ano do centenário
da mobilização operária que reivindicava, entre outros direitos, o de
sindicalização, jornada de oito horas semanais e proibição do trabalho infantil
no período noturno, um governo golpista consegue aprovar uma legislação
trabalhista que representa um retrocesso de, pelo menos, 100 anos”, afirmam os
organizadores. “Essa é uma das propostas do livro, fazer a transição entre
aquele período heroico inaugural e o momento que vivemos atualmente.” Livro
resgata origens da organização operária e aponta ameaça atual a direitos
conquistados ao longo da história
O
operário morreu após ser atingido por um tiro dado pela Força Pública, a
polícia da época. “Martinez tombara próximo ao local de trabalho dele, uma das
inóspitas e insalubres masmorras onde se produziam tecidos e roupas, fábricas
que cobriam a paisagem dos bairros operários da cidade, como o Brás, cujas
calçadas testemunharam seu corpo jazer até que outros grevistas recolhessem o
jovem dali. (…) O enterro de Martinez mexeu de tal forma com a cidade que
os dias que se seguiram fizeram a capital paulista parar de maneira como
nunca mais se teve registro posterior. O comércio não abriu as portas, os
bondes não circularam, as pessoas ficaram em suas casas.”
Outras
pessoas morreram naqueles dias. A menina Eduarda Blinda, de 12 anos, foi
atingida por um disparo (hoje se diria “bala perdida”) na porta de sua casa, na
Barra Funda, outro bairro central e operário. E o grevista Nicola Salerno
morreu “nas mãos da polícia” ao tentar deter um bonde na Rua Augusta.
O
número real de mortes certamente foi maior. Isaías faz referência a uma
história, “até hoje sem apuração ou reparação oficial”, de que centenas de
grevistas e manifestantes teriam sido enterrados à noite ou sem registro legal.
Também teria havido uma razoável quantidade de policiais mortos. O livro traz
várias imagens do movimento e da situação dos trabalhadores um século atrás,
além de reproduções de periódicos da época.
Segundo
afirma na apresentação o presidente da CUT, Vagner Freitas, a leitura “nos faz
refletir sobre os fatos, o momento político e as lutas dos companheiros e
companheiras, em sua maioria, europeus que imigraram para o Brasil e, há cem
anos, iniciaram as maiores lutas do trabalho fabril contra o capital explorador
em nosso país”. E também “sobre os avanços que conquistamos nos anos
seguintes, enfrentando repressão policial idêntica ou até maior porque mais
preparada para ferir, para agredir, para matar”.
Para
os autores do prefácio, o diretor da FPA e ex-presidente da CUT Artur Henrique
da Silva Santos e o secretário de Cultura da central, José Celestino Lourenço,
“a greve geral de 1917 era o despertar de um movimento operário que daquele
momento em diante declarava guerra sem tréguas ao luxo ostensivo e insensato
dos parasitas, como denunciava uma das edições do jornal A Plebe, um
dos mais influentes entre o operariado naquele contexto”.
Segundo
eles, o autor do livro, “sem a pretensão de esgotar os estudos e os debates
sobre este importante acontecimento, nos apresenta uma abordagem inovadora ao
procurar demonstrar que as lutas travadas em 1917, duramente reprimidas e
marcadas por traições por parte dos patrões, ao negarem o cumprimento dos
acordos firmados, não encerraram as contradições de classe inerentes ao
processo de consolidação do capitalismo, em particular no Brasil”.
Nova escravidão
De
acordo com o autor, o ponto de partida da greve foram as péssimas condições de
vida dos operários, que, vindos da Europa, encontravam “uma nova espécie de
escravidão” no Brasil, com jornadas que frequentemente superavam as 12 horas
diárias, chegando a 18 em algumas situações, além de baixos salários.
“Diante de impossibilidade de viver dignamente, a
hipótese – defendida pelos patrões, de empregar meninas, meninos e mães de
família no cotidiano das fábricas parecia a única saída permitida pelo
mundo e pelos céus. Aquele quadro sombrio guarda semelhanças com situações
que se podem encontrar no Brasil de 100 anos depois”, diz Isaías, 51 anos,
há 15 atuando na imprensa sindical. “Mães e mulheres grávidas trabalhavam em
ambientes insalubres ao longo de horas. Crianças – muitas com oito a dez
anos de idade – eram usadas nas fábricas.” Segundo relatos da época, alguns
chefes, chamados de “contramestres”, chegavam a usar pistolas para intimidar os
operários.
O autor anota que, de acordo com o professor
ítalo-brasileiro Luigi Biondi, a maioria dos operários, naquela época, era de
italianos ou descendentes. “Evidência disso estava na composição dos
quadros do Cotonifício Crespi, no bairro da Mooca, onde eclodiu o primeiro
núcleo grevista daquele ano. De 1305 trabalhadores, 947 eram italianos”,
escreve.
Em 14 de julho, uma proposta de acordo inclui o
compromisso de libertar todos os presos, reconhecer o direito de associação e
reunião, combater a alta de preços e a adulteração de gêneros alimentícios e
estudar meio de impedir o trabalho noturno para mulheres e menores de 18 anos.
O Comitê de Defesa Proletária, uma espécie de “comando de greve”, recomenda a
aceitação, por temer mais mortes. Um grande comício é realizado no Largo da
Concórdia, diante do Teatro Colombo, com estimadas 10 mil pessoas. Outros dois
ocorreram na cidade, nos bairros do Ipiranga e da Lapa, aprovando a
proposta.
A segunda parte do livro começa com a narrativa
de ato no Cemitério de Araçá, um século depois do enterro de Martinez, cujo
túmulo foi localizado por Isaías durante suas pesquisas. Em 10 de julho, foi inaugurado
um memorial em homenagem à memória dele e de todos os operários que
participaram do movimento. Apenas um dia depois, o Senado aprovava o projeto
que se tornaria a Lei 13.467, “que a mídia comercial eufemisticamente apelidou
de ‘reforma trabalhista'”. Começava um novo capítulo da história do movimento
sindical, da luta operária e da resistência.
“Eis que, cem anos depois, sem que a maioria da
sociedade brasileira tivesse ainda atingido o direito de estar incluída na
cobertura das leis trabalhistas surgidas na década de 1940, a nova legislação
aprovada traz recuo, fragilizando a proteção dos trabalhadores e
trabalhadoras”, constata o autor.
>jornalista Vitor Nuzzi
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