E A VONTADE DAS URNAS
TÊM PRODUZIDO BELOS TEXTOS. Um deles foi escrito por
um dos maiores filósofos da atualidade brasileira Vladimir Safatle e se chama “O
Estado Oligárquico de Direito”.
A seguir você lerá o retrorreferido texto, que está na direção das lutas pelo não impítima, do fora Cunha e do muda Dilma.
Essa dimensão focada pelos movimentos sociais traduz para todos e todas que não pode haver golpe parlamentar, que o Presidente da Câmara Nacional precisa ser afastado, e que a Presidenta Dilma deve mudar a sua política macroeconômica, para fazer prevalecer as suas processuais eleitorais e ações que beneficiem especialmente a população mais carente e não apenas a umas poucas pessoas rentistas, no Brasil e mundo afora.
Neste exato momento, a população
brasileira vê, atônita, a preparação de um golpe de estado tosco, primário e farsesco.
Alguém poderia contar a história da seguinte forma: em uma república da América
Latina, o vice-presidente, uma figura acostumada às sombras dos bastidores,
conspira abertamente para tomar o cargo da presidente a fim de montar um novo
governo com próceres da oposição que há mais de uma década não conseguem ganhar
uma eleição.
Como tais luminares
oposicionistas da administração pública se veem como dotados de um direito
divino e eterno de governar as terras da nossa república, para eles,
"ganhar eleições" é um expediente desnecessário e supérfluo.
O vice tem como seu maior aliado
o presidente da Câmara: um chantagista barato acostumado, quando pego em suas
mentiras e casos de corrupção, a contar histórias grotescas de fortunas feitas
com vendas de carne para a África e contas na Suíça com dinheiro depositado sem
que se saiba a origem.
Ele comanda uma Câmara que
funciona como sala de reunião de oligarcas eleitos em eleições eivadas de
dinheiro de grandes empresas e tem ainda o beneplácito de setores importantes
da imprensa que costumam contar a história do comunismo a espreita e do
bolivarianismo rompante para distrair parte da população e alimentá-la com uma
cota semanal de paranoia. O nome de sua empresa diz tudo a respeito do
personagem: "Jesus.com".
O golpe ganha um ritmo
irreversível enquanto a presidenta afunda em suas manobras palacianas estéreis
e nos incontáveis casos de corrupção de seu governo. Ela havia dado os anéis
para conservar os dedos; depois deu os dedos para guardar os braços. Mais a frente,
lá foram os braços para preservar o corpo, o corpo para guardar a alma e, por
fim, descobriu-se que não havia mais alma alguma.
Reduzida à condição de um
holograma de si mesma e incapaz de mobilizar o povo que um dia acreditou em
suas promessas, sua queda era, na verdade, uma segunda queda. Ela já tinha sido
objeto de um golpe que tomou seu governo e a reduziu à peça decorativa. Agora,
nem a decoração restou.
Bem, este romance histórico ruim
e eternamente repetido parece ser a história do fim da Nova República
brasileira. Que ela termine com um golpe de estado primário, fruto de um pedido
de impeachment feito em cima da denúncia de "manobras fiscais" em um
país no qual o orçamento é uma ficção assumida por todos, isto diz muito a
respeito do que a Nova República realmente foi.
Incapaz de criar uma democracia
real por meio do aprofundamento da participação popular nos processos
decisórios do Estado e equilibrando-se na gestão do atraso e do fisiologismo,
ela acabou por ser engolida por aquilo que tentou gerir. Para justificar o
impeachment, alguns são mais honestos e afirmam que um governo inepto deveria
ser afastado. É verdade, só me pergunto por que então conservar Alckmin, Richa,
Pezão e cia.
O fato é que, no lugar da Nova
República, o Brasil depois do golpe assumirá, de vez, sua feição de Estado
Oligárquico de Direito. Um estado governado por uma oligarquia que, como na
República velha, transformou as eleições em uma pantomima vazia. Uma oligarquia
que já mostrou seu projeto: uma política de austeridade que não temerá
privatizar escolas (como já está sendo feita em Goiás), retirar o caráter
público dos serviços de saúde, destruir o que resta dos direitos trabalhistas
por meio da ampliação da terceirização e organizar a economia segundo os
interesses não mais da elite cafeeira, mas da elite financeira.
Mas como a população brasileira
descobriu o caminho das ruas (haja vista as ocupações dos estudantes
paulistas), engana-se aqueles que acreditam poder impor ao país os princípios
de uma "unidade de pacificação". Contem com um aumento exponencial
das revoltas contra as políticas de um governo que será, para boa parte da
população, ilegítimo e ilegal.
Mas como já estamos dotados de
leis antiterroristas e novas peças de aparato repressivo, preparem-se para um Estado
policial, feito em cima de leis aprovadas, vejam só vocês, por um "governo
de esquerda".
Faz parte do comportamento
oligarca este recurso constante à violência policial e ao arbítrio para impor
sua vontade. Ele será a tônica na era que parece se iniciar agora. Contra ela,
podemos nos preparar para a guerra ou agir de forma a parar de vez com este
romance ruim.
>Por Vladimir Safatle – filósofo - 12/12/2015
http://jornalggn.com.br/noticia/o-estado-oligarquico-de-direito-por-vladimir-safatle
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