A nossa revista Teoria
e Debate publicou artigo muito interessante para reflexão dos desafios que nos
esperam.
Eleitoralmente, por que
as pessoas estão aceitando tantos retrocessos em diversas áreas, elegendo
candidaturas que não representam e não defendem os interesses da população?
Por que no dia a dia a
passividade das pessoas, mesmo com o forte sofrimento existente, é praticada
com tranquilidade e algo bem perceptível?
O texto que leremos a
seguir tem indicativos para respostas: “Para implantar políticas que
retiram direitos, o governo cria divisões na sociedade com a pauta
comportamental e cultural e aprova sem resistência as medidas econômicas
liberais
Com a perspectiva de aprovação da reforma da
Previdência, apresentada como condição para o retorno dos investimentos e da
geração de emprego, de um lado, e a sinalização de Jair Bolsonaro de que
pretende disputar a reeleição, de outro, o governo ganhou o impulso que
necessitava para colocar em prática sua agenda econômica, que nada mais é do
que a “Ponte para o Futuro” turbinada, deixada por Michel Temer.
O governo, para implementar sua agenda de reformas,
parte do pressuposto de que a economia só voltará a crescer se o Estado reduzir
suas políticas sociais, vender suas empresas, desmontar a máquina pública e
incentivar o setor produtivo, mediante desregulamentação da legislação
trabalhista e ambiental, e reduzir a carga tributária, ainda que deixe de
cumprir os direitos universais assegurados pela Constituição.
No quesito social, a reforma da Previdência e da
Assistência Social é um bom exemplo de quem será escolhido como variável de
ajuste. A reforma, que pretende nos próximos dez anos economizar um trilhão de
reais, escolheu os mais pobres para pagar a conta.
Segundo cálculos com base na planilha oficial, o
texto que saiu da comissão especial da Câmara irá economizar 82% do montante
previsto em cima: 1) dos segurados urbanos e rurais, filiados ao regime geral;
2) dos trabalhadores com renda até dois salários mínimos, que são beneficiários
do abono salarial, e 3) dos idosos e deficientes miseráveis, que dependem do
Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A venda de ativos está em curso, mas ganhou impulso
com a decisão governamental de privatizar os Correios, de vender as refinarias
da Petrobras e de reduzir a presença dos bancos oficiais no mercado,
especialmente o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, que devem
vender suas subsidiárias para devolver recursos à União para cobrir déficits ou
gerar superávits.
O desmonte da máquina pública, igualmente, será
implementado em três dimensões. A primeira pela decisão administrativa de
reduzir o quadro de pessoal, tanto via proibição de concursos públicos quanto
pela ampliação da terceirização, além da extinção e enxugamento de órgãos
públicos. A segunda pela decisão política de negar condições materiais para que
determinados setores do governo funcionem, especialmente as áreas de
fiscalização e controle. E terceiro pela transferência de atividades da União
nas áreas de educação, saúde, assistência social, meio ambiente, entre outras,
para estados e municípios, para fundações públicas e de direito privado, para
organizações sociais públicas ou privadas ou simplesmente para empresas com
fins lucrativos. O sucateamento dos mecanismos de participação social, via
conselhos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e a extinção
da Política Nacional de Participação Social materializam a nova (velha) visão
tecnocrático-autoritária do governo.
Desregulamentação, desburocratização e “parcerias”
com o setor privado, como incentivo ao empreendedorismo e ao investimento, que
suprime legislação desnecessária, mas também normas de proteção, como as Normas
Regulamentadoras do Trabalho, de proteção ao meio ambiente, entre outras, são
parte inerente desse “pacote” anti-Estado. A primeira medida nessa direção foi
a edição da MP no 881/19, que proclama a “liberdade econômica” e
dispensa registro para criação e funcionamento de determinadas empresas,
inclusive em domingos e feriados.
Por fim, a promessa de redução da carga tributária
para o setor produtivo, porém sem aliviar a situação dos impostos indiretos
sobre consumo, que penaliza os mais pobres. A promessa de taxação dos ganhos de
capital para desonerar o setor produtivo dificilmente será implementada, exceto
apenas para as receitas destinadas a garantir políticas sociais e
previdenciárias, como é o caso das contribuições sobre a folha de salário para
custeio da Seguridade Social.
Mas como o governo irá colocar em prática essa
agenda sem maior reação do povo? Esse é o segredo da equipe econômica do
governo, que utiliza o presidente e seu núcleo “ideológico-diversionista”, à
moda Donald Trump, para dividir a sociedade sobre temas da agenda cultural e
moral, tais como comportamentos, religião, corrupção, entre outros, enquanto a
agenda liberal e fiscal é implementada sem maiores resistências.
O Congresso, que pode ser classificado como
liberal, do ponto de vista econômico, e fiscalista, do ponto de vista de
gestão, também assumiu a agenda da equipe econômica. Assim, por mais que o
presidente da República, aparentemente, contrarie o Congresso com suas ideias
reacionárias relativas a comportamento e valores, isso não impedirá que os
parlamentares levem a cabo as agendas econômicas e fiscais, que também são
suas, ainda mais se o governo concordar, como fez na reforma de Previdência, em
liberar recursos para a base eleitoral de seus aliados políticos.
A base governamental, aparentemente desorganizada,
tem agido de forma sincronizada ao apresentar e pedir para relatar projetos
coincidentes com a agenda liberal e fiscal, a exemplo do projeto de lei da
senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) com o mesmo texto da “MP do boleto bancário”
dos sindicatos que caducou recentemente, e das relatorias de projetos
solicitadas pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) nas comissões de Trabalho e de
Finanças e Tributação.
Os setores democráticos, especialmente os
movimentos sociais e os partidos de esquerda, centro-esquerda e até setores de
centro, precisam reagir frente a essa perspectiva, sob pena de profundo
retrocesso civilizatório.
A oposição congressual, numericamente pequena, não
dará conta de impedir a implementação dessa agenda sem um grande suporte
popular. É preciso desinterditar o debate, apresentar um projeto de Nação que
desperte esperança e confiança no povo e promover formação política, porque do
contrário o governo continuará manipulando os incautos.”
Antônio
Augusto de Queiroz é
jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
https://teoriaedebate.org.br/colunas/as-perspectivas-da-agenda-de-bolsonaro-e-os-desafios-da-oposicao/
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