Algo é certo. Ante a suposta ingenuidade de alguém, o sofrimento e a destruição dos direitos humanos em si e, nessa sociedade de classes, dos direitos sociais também são consequências.
"Arrependidos que ajudaram a colocar Bolsonaro no poder não merecem perdão
Estamos nesta situação por
responsabilidade daqueles que, arrependidos ou não, conheciam perfeitamente os
riscos de apoiar Bolsonaro
Primeiro
foi José Padilha. O diretor da série O Mecanismo, que na primeira
temporada levou ao Netflix uma descrição elogiosa, de louvor e glorificação da
magnífica Operação Lava Jato, agora diz ter cometido “um erro de julgamento” a
respeito de Sérgio Moro. Coitado. Quase chorei quando li sua entrevista.
Enganado, iludido, ultrajado, trapaceado. Ele que, com toda sinceridade e
boa-fé, acreditava ser Moro a Madre Teresa de Calcutá da luta anticorrupção, o
Nelson Mandela de toga, o Mahatma Gandhi dos tribunais, o ilustre herói
nacional em luta incansável contra um câncer da vida pública e em prol de um
Brasil melhor para todos. Só que não.
Alguns dias atrás, foi a vez de Miguel Reale Júnior,
um dos autores do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Sobre Bolsonaro, afirmou Reale Jr.: “Estamos, realmente, em um quadro de
insanidade da mais absoluta. Não é mais caso de impeachment, mas de
interdição… Há mais de um ano disse que quem fosse democrata não deveria votar
no Bolsonaro”. Ahhh… O impeachment foi tão ético, tão íntegro, tão
decente, não? Se alguém não ousou pensar que se tratava de um golpe, não seria
capaz de imaginar que a derrubada de Dilma poderia provocar uma crise institucional
que acabaria por levar um monstro ao Palácio do Planalto. São coisas
imprevisíveis, certamente. Coitado também do Reale Júnior. Ele não sabia.
Até o governador paulista, João Doria, garantiu
nunca ter tido “alinhamento com o governo Bolsonaro”. Teria eu sonhado com o
Bolsodoria? A dobradinha nunca aconteceu? Aparentemente, milhões de brasileiros
tiveram o mesmo delírio e ouviram falar no Bolsodoria inúmeras vezes durante a
campanha eleitoral. Bem, não sei, mas, se Doria diz que nunca houve alinhamento
com Bolsonaro, quem sou eu para duvidar da sinceridade do governador de cashmere.
Não podemos esquecer da mídia, de cada um dos
editoriais do Estadão e da Folha de S.Paulo nos últimos meses. Um
desavisado, desconhecedor da realidade dos meios de comunicação ou da política
brasileiros pensaria, ao ler os editoriais do Estadão, estar diante de
um jornal petralha, esquerdopata, que apoiou na campanha eleitoral Fernando
Haddad, quiçá Guilherme Boulos. “Estadão, guerreiro do povo brasileiro”.
Um punhado de jornalistas escreve colunas e mais colunas… Reclamam, denunciam,
apavorados, os horrores cometidos por Bolsonaro. De novo… Quem iria intuir que
a opção cínica de tratar como normal, natural, a candidatura do ex-capitão,
aquele jogo da falsíssima assimetria da extrema-esquerda versus a
extrema-direita, aquele antipetismo raivoso e devastador, iria nos levar a esse
lamaçal no qual nos metemos?
Um político que durante quase 30 anos foi
horroroso, violento, repugnante. Um candidato que na campanha presidencial foi
horroroso, violento, repugnante… Quem iria imaginar que se transformaria em um
presidente horroroso, violento e repugnante? Eu nunca teria suspeitado.
Asco. É o que sinto. Asco de quem agora esbraveja
contra as barbaridades de Bolsonaro, mas ajudou, de uma ou outra forma, direta
ou indiretamente, a colocá-lo no poder. De quem tinha aceso às informações
possíveis e ainda assim optou pelo caminho do ódio e da destruição. De quem,
enfim, nos dias atuais, diante do cheiro insuportável do excremento nacional,
sai por aí a repetir: “Não fui eu, não fui eu”.
Estamos nesta situação por responsabilidade
daqueles que, arrependidos ou não, conheciam perfeitamente os riscos de apoiar
Bolsonaro. Conheciam os riscos e não se importaram. Porque, no fundo, nunca se
importaram com o Brasil, sua dor, seu sofrimento. Porque não estão nem aí para
os indígenas assassinados, para a população negra e periférica, dizimada
diariamente pela violência, para os ataques à educação pública, para o
desmatamento, para o empobrecimento progressivo dos concidadãos.
É tanta desonestidade, tanta mentira. É obsceno
demais. Peço, ao menos, um mínimo de dignidade. Não venham tentar nos enganar
com seu falso arrependimento. Não somos idiotas."
Por Esther Solano - Este texto não reflete necessariamente
a opinião de CartaCapital.
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